Crônicas

A bondade das pessoas más

        Tomo emprestado ao Chico César esse termo do título. E fico pensando no que seria a bondade das pessoas más. De boas intenções o inferno anda cheio, e deve estar de saco cheio de internar pessoas assim.
        Quando vemos os massacres das pessoas que vivem em estado de pobreza em alguns países, e vemos esse mesmo massacre em nosso país, notadamente nas comunidades pobres habitadas por pretos tão pobres de tão pretos (Caetano Veloso), pensamos nas bondades que alguns lhes fazem a troco de alguma coisa.
      É paradoxal, quando vemos frequentadores de cultos ou apregoadores de um moralismo de esquina, pregando o extermínio dos “bandidos” que, coincidentemente, moram e vivem nessas comunidades, dizerem em alto e bom som o amor do Mestre.
        O interessante é ver tantos fazendo bondades em épocas natalinas, angariando bens de consumo para distribuir, não fazerem campanhas para a erradicação dessa pobreza, através de uma luta política digna e, realmente, dignificante.
          Muitas vezes, essa reserva de pobreza serve de pano de fundo para grupos tentarem se justificar com o Divino ou, quem sabe, garantir um lugar por lá, prestando sua “ajuda” anual. Penso naqueles que lutam, de verdade, todos os dias, nas ruas tentando minorar os males que afligem tantos.
       Nos EUA, uma sociedade supostamente mais avançada e reverenciada por muitos de nós, inclusive, distribui armas livremente, na intenção das garantias individuais. Penso que a melhor garantia individual seria, justamente, erradicar essa pobreza que serve de reserva para bondades.
        Por isso, essas “bondades” têm um fundo de maldade. A verdadeira maldade que exalta quando veem o fuzilamento de “bandidos” e outros afins e exaltam a sua eliminação. Na verdade, por que não ter pobres bem-comportados e submissos? Que aceitem sua condição de reserva para passagens garantidas ao Divino.
           Quando se exalta uma chacina de “bandidos” fala-se mais de si do que do outro.
         É tão óbvio que lutar por mais igualdade de oportunidades abre caminho para que os bondosos de plantão vivam com mais liberdade. Porque a real liberdade individual é quando existe a liberdade do outro. Não há liberdade única e privativa. Ou todos têm ou ninguém tem. Não se trata de punir o delinquente, desde que não haja delinquentes privilegiados ou aqueles de segunda classe.
         Por isso, pobre quando vê bondade demais desconfia. E quando desconfia passa a ter a condição do outro, daquele que não entende e não compreende essa “bondade” com data marcada que outros fazem.
         A grande verdade é que não se quer a bondade de ninguém. Os desejos de quaisquer grupos é poder fazer algo por si mesmo. E as ajudas que sejam dadas para aqueles que, realmente, necessitam dela. E a grande maioria poderá se tornar bondosa. E quanto aos maus que exerçam suas bondades entre si.

Origem da foto: Foto de Bonnie Kittle na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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