Poemas

Toda poesia

Não, não me considero poeta. Acho que poesia é a arte mais difícil. É como tocar violão: fácil de tocar mal e difícil de tocar bem. Comparo os versos como o comprimido pequeno que, ao desmanchar, nos alivia de uma dor imensa. Versos são assim, capazes de em poucas palavras dizer um mundo de significações. Rimar, encadear versos é apenas versalhada, ritmá-los, uma letra de música, de palavras fortes, manifesto de indignação, revolta. Um poema não está nas rimas, está nas imagens, suficientemente fortes para dizer muita coisa, e, principalmente, fazer sentir.

Não. Não te esgotes em parir a poesia
Deixe que ela venha como um espírito pedinte
O barco partido, por longo tempo à espera do porto
O ouvir dos passos solitários no bater da porta
Não te esgotes em querer a poesia
Deixe-a só, isolada e pensativa
Um dia, ela, votiva, alça o voo e vem
Te buscar.
Ela é a Julieta que te espera no alpendre
Aguardando o som da cotovia
Ela tem seu meio de anunciar-se
Está na solidão que te assalta
É o conflito, o desabafo da alma
É a própria maneira de pensar
É a lágrima que vem te enxugar

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Levanto da sala de espera
Vou ao banheiro
Levo carteira, documentos
Deixo na cadeira o livro de poemas,
Cadernos, caneta-tinteiro
– Senhor! Não esqueça os seus livros
– Não se preocupe, eles não valem dinheiro

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Era o ritual de toda noite:
Colocar o copo com água
Na cabeceira do móvel
Um pequeno guardanapo
Protegia a água, e o copo, do silêncio da noite
Pela manhã eu adentrava o quarto
E lá estava o copo esvaziado
Intrigante!
Para onde foi a água colocada
Sob o papel transparente?
Evaporara?
A avó levantava e parecia ganhar o dia
Como se ganha o dia quando se acorda
Teve um dia, e não mais que esse dia,
Que o copo amanheceu cheio
E muita gente em volta apreciava minha avó
E ao copo ninguém atentava
E eu achando que ela o bebia
Tonto!

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Eu sou aquela que vive
Nas esquinas, à espera de ser
Sua namorada. Por uma noite vou poder
Apenas ser a sua amada
Fecharei meus olhos sem prazer
Enquanto você desfruta
Um corpo que pensa em ter
E eu te dou sem culpa
Em breve serei coisa descartada
E teremos de volta nossa vida
Em você cairei logo em esquecimento
Uma próxima aventura me aguarda
Sem abraços, beijos, despedida
E à noite novamente me apresento

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Pensei, de repente, em um verso
Desses que se fazem sozinhos
Mas que empaca perverso
Do outro lado do papel
E pode se desdobrar em pedacinhos
Mas é duro, é persistente
Não se abre como um carretel
Vai remoendo cá dentro como os moinhos
E eu lendo, estudando converso
Com minha inspiração ausente
Vou desfiando no cordel
Devagarzinho, encontrando os caminhos

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É preciso fazer um poema sobre a Bahia
Drummond nunca foi lá
Eu sim
Comi Abará, fui ao Abaeté, Vesti abadá
Tomei avião pro Rio
Lá na Castro Alves
Fechei os olhos e parecia –
Isso não é mentira –
Campo Grande ou Madureira
Como tem no Rio de Janeiro
Coisa e tal
Até baiana de saia de roda
Parecia preparação de desfile na Marquês de Pombal

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Aqui, perdido no estrangeiro
Olhando que nem besta para a torre
Que lembro da pizza que eu comia
Lá no botequim do Zé Brejeiro
Não que não lembre ou mal me lembre
Da canção que do exílio fez alguém
Nem lembro se vi palmeiras
E nem mesmo um sabiá eu vi por lá
Lá dentro já uma vez me diz
Que eu preciso pegar um trem
Um avião, de ser de longo curso
Para eu descer no aeroporto Tom Jobim
Sem nenhum medo de ser feliz

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São dois mundos que convivem
Lado a lado, um real outro irreal
São como dois ventos que correm
Um atribulado, outro normal
No normal, a monotonia
De viver cada dia, cada hora
Seguir dura, sem nostalgia,
Mas com o desejo de ir embora
No outro a fúria, a imaginação
Que corre solta, livre, furiosa
Um sorriso, um viver sem destino
É aquela que chega do coração
Tendo a razão, sem ser astuciosa,
E a cabeça de um menino

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É dura a luta entre a luz e a escuridão
Enquanto uma adormece por detrás da alma
A outra reaparece na solidão
Uma é sombra que chega
Outra é o sol que se esparrama
Aquela é a coberta de sono que cresce
A outra é o convite da vida que chama
Do embate entre elas
A luz ainda é a vencedora
Porque é candura, é leveza
As sombras são pesadas
São o não-ver, aterradoras
Mas a luz segue coroada
Brilhando na lua sua beleza

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Quando o vento sussurra
Na floresta, e mexe as folhas
Como um frêmito, borbulhas
De ar que o conversar se encerra
Quando o vento em desalinho
Coloca as folhas a balançar
Parecem mãos a se acariciar:
Amantes em burburinho
Sou como o vento que chega
Pé ante pé, bem de mansinho
Para te causar doce surpresa
As mãos te envolvendo, aconchega,
Nos braços abertos cheios de carinho,
A se embevecer com sua beleza

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VIDA DE AMANTES
Somos ligados, somos amarrados
Somos o universo e o lugar comum
Somos contidos e alvoroçados
Somos a ceia e o desjejum
Somos o sóbrio e a bebedeira
Somos o rio, somos o mato
Somos o lago e a corredeira
fugindo, sorrindo, lado a lado
Somos tudo e não somos nada
Somos o amor por aí à solta
Somos a vida sem tréguas

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Por que os sinais que eu deixo no chão,
Minhas pegadas de retorno ao lar verdadeiro
Não atingem mais seu coração
E me deixam solitário e em desespero?
Por que as palavras que eu digo
E disse em todos os instantes de nossas vidas
São ignoradas como algo antigo
Por mais carinho com que sejam repetidas?
Perderam o viço decerto
Perderam o frescor da novidade
São palavras ditas no deserto
Ouvidas sem ansiedade
Seu corpo ouve como parado
Cuja alma voa distante
Com outros projetos, outros sonhos,
E longe do ex-coração amante
Que não dispõe mais dos lábios risonhos
Que lhe deram uma vida de apaixonado

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Olho através da janela,
da vidraça,
da cortina,
os olhos loucos de menina.
Que brilham diante de mim.
Enxergo através dela.
Da mesma janela,
da vidraça,
da cortina,
dos lábios loucos de menina.
Que se abrem para mim.
Vejo através dela
Na mesma janela,
da vidraça
da cortina,
dos olhos cerrados de menina
Que se fecham para mim
Durmo com ela
Debaixo da mesma janela
Escondido na vidraça
Abraçado na cortina
Do corpo que se descobre de menina
Que se entrega louco para mim.

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Minhas lágrimas são como notas de música
Levadas para uma partitura
Caídas sobre a folha de papel
Sem molhá-las
Enrugando como dobradura
Como um abraço de saudade
Da falta de você.
Minhas lágrimas são como sons
De pássaros
Imaginários tocados no ar
Na dobradura do vento
Saudando os seus cabelos
Só para me lembrar
Minhas lágrimas são como a cor
a pintura, o quadro, o modelo
O mundo colorido do arco-íris
Que desce lacrimoso pelo seu rosto
Rumo ao pote de ouro
Que nasce na minha imaginação
E se deposita choroso
Ao lado do seu coração.

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Deitado no jardim
vejo seu rosto no alto,
desenhado nas nuvens brancas
suaves, correndo no céu.
Seu rosto toma mil formas.
De todas, a mais bela,
é a que retrata o beijo
que roubei na sua janela.
Seu rosto vira com o vento.
A nuvem se espalha como seus cabelos.
Desmanchando em flocos,
em queda por sobre mim.
A grama que espeta meu corpo
é cama em que te ouço.
E me volto na realidade
te afagando num abraço.
Essas coisas que não merecem ter fim

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Ah! Quando você for embora.
Não vou chorar o tanto que você imagina.
Quando chegar a hora,
mais do que a surpresa,
você verá em mim, alívio e certeza,
de que se tirou mais do que amor,
toda a fantasia.
Porque quem ama pode perder
além da amada o amor que tem.
Perder para o mundo quem se ama
é ganhar a história.
É ganhar um bem.
Por isso não choro na partida
e sempre tento,
guardar dentro de mim a nostalgia
de perceber o amor todo o tempo.
Mas não deixar de me gostar por um dia.

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No meio da multidão
os corpos se esbarram,
os corações não falam.
Nem sempre se sabe quem são
Os encontros virtuais aparecem
no meio de cabos, fios, internets.
Em pontos de contatos infinitos,
que se cruzam e não se conhecem.
Cada um na sua,
todos em todas.
Em cantos diferentes,
com diferentes encontros.
Não vejo ninguém na frente,
porque não procuro ninguém.
O que eu quero é o encontro.
Não vejo o contato leve do seu abraço.
O aperto em meu braço me levar para escuridão.
Desapareço e não te esqueço,
perdido na multidão.

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CHÃO DE ESTRELAS
Tranquilamente você passeia pela casa.
Por entre os móveis, mim e nossas coisas,
observamos teu leve caminhar.
Ligeira e íntima de todos nós.
Você se afasta e o leve balouçar do teu corpo
se descobre por entre a roupa leve que te cobre,
e, rápida, se esconde na toalha
e no manto de carinho que você nos traz.
Você retorna meio apressada,
olha acariciando cada detalhe.
Lustra, e satisfeita contempla o brilho,
feliz pelo cuidado de nosso lar.
Tranquilamente se retira
e nem repara no brilho
que deixou nos nossos olhos
orgulhosos de te olhar

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Só longe de você eu faço poesia.
Eu vejo poesia.
Longe de você eu te comparo, incomparavelmente,
às coisas que eu vejo.
De você eu guardo as lembranças de te ver,
querer todos os momentos.
Eu te comparo e as formas desse mundo não são belas.
Somente se você estando ao lado delas.
Incomparavelmente ficam belas como você.
Só longe de você eu faço poesia.
Perto de você eu vivo em poesia.

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Não vá embora.
Não vire as costas,
como uma deusa impiedosa.
Não deixe sua imagem
por entre águas partindo.
Qual o peixe dourado,
que escapa das mãos desoladas
do pescador.
Não me deixes aqui de joelhos
com a oração perdida no tempo.
Por entre palavras incompletas,
entre soluços saudosos de beijos.
Não me deixes aqui de mão estendida
sem adeus, sem alento.
Como a comemorar a partida
tentando, o teu cheiro e o teu corpo,
capturar no vento.
Não bata a porta.
O som que chega, arrebata,
como o duro estalar da chibata,
trazendo à tona a realidade nua.

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Ouvir músicas de adeus
é viver clima de despedida.
Chorar, sofrer a hora da partida,
do amor que se perdeu.
Viver sonhando
é o melhor de nossas vidas;
se o outro ou a medida
tomar o rumo que se quer.
Embalado neste acalanto
sem o rumo certo.
Quero ver você por perto
e não apenas lembrando.
A se refazer em cada canto.
Com os dias a passar,
procurando você em cantos.
Viajo no meio do que outros fazem,
enquanto me encanto.
Vivendo e me enganando
na vazia e tola miragem,
da imagem que você
deixou pra trás.

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Não ambiciono ler em suas mãos
os prazeres que o teu corpo promete.
Nem enxergar no brilho dos seus olhos
o calor dos seus sentimentos.
Nem ver através dos seus longos cabelos
meus traços nos seus pensamentos.
Nem um adivinho se atreveria a tanto:
a procurar em grandes universos,
o que se revela em pequenos movimentos
De que adianta os sinais que você emite,
se a tradução para mim não acontece.
De que adianta transformar signos em letras,
imagens ou quaisquer sinais,
se a minha linguagem os empobrece.
Melhor é o que eu sinto,
através de lembranças, de desejos, de instantes,
porque mais importante que adivinhar seu corpo,
é tê-lo perto sempre e constante.
É tê-lo perto com seu cheiro.
É, enfim, senti-lo sem se preocupar como ele é.

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Sobre Guilherme de Almeida
Não mais consigo trazer no teu aniversário
de casamento ou dos primeiros dias,
as flores e versos decorados
que coloriram o princípio de nossas vidas
Não mais um lugar na lembrança,
de algo que venha encantar o nosso lar,
encher de risos a tua boca,
nem de lágrimas de emoção o teu olhar.
Não há mais tempo!
A nossa vida é o frenesi da paixão urbana:
o trânsito, as compras, os filhos…
Viver em nosso íntimo é tão difícil!
Que guardamos o verso dentro de nós.
E, vivendo de lembranças,
lembramos de nos amar e sonhar o que fizemos um dia,
há muito tempo atrás.
A luz do lampião não acende mais
a nossa paixão que fora outrora.
Agora a TV nos acorda e nos transmite
em imagens o amor e o sofrimento dos outros.
Antes desligávamos a TV e nos amávamos.
Não tínhamos a preocupação da novela.
E não mais parafraseamos Castro Alves,
e, emocionados, dizemos: “É ele! É ela!”
Para onde foi nosso amor amigo,
aquela febre de paixão e de carinhos.
O desejo de nos aproximarmos e sonharmos
com aquele calor de amor antigo.

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Quando separarmos nosso amor,
não quero nenhuma das lembranças comigo:
teus presentes, tuas recordações, teu calor.
Me parecerão terem sido entregues como uma obrigação,
um fato burocrático que se repetiu pelos natais e aniversários

Não terão mais alma,
calor humano,
sentimento.
Serão pedaços de papel,
madeira,
pano,
metal,
amor partido,
sentimento igual.
Serão meros pedaços de bugigangas
que se farão em pedaços,
no despedaçar que a minha vida ficar.
Devolverei suas cartas, seus pequenos bilhetes,
fotografias, pedaços de pétalas de flores, tudo,
de nossas brigas infantis.
Que surpresa você terá em recebê-los!
Que surpresa saber o quanto te amei!

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Depois de passarmos a vida juntos,
passeando ainda alegres, rápidos
por entre os automóveis e o trânsito,
poderemos talvez ouvir os nossos sinos
badalarem alegres nas igrejas.
Procuraremos em vão a calma antiga,
perdida por entre as manchetes dos jornais.
E as discussões ardentes das esquinas
misturadas que estarão no caos urbano.
Pararemos na beira de nossa rua,
respiraremos profundamente o nosso ar pesado
e tentaremos achar na difusão de cheiros,
que se espalham,
o pouco que resta de alegrias, e o nosso passado.

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A tua boca,
quando espreme os lábios,
parece imprensar com força delicada
a minha vontade de resistir.
É um universo inteiro espremido,
e eu procuro com olhos pequeninos
tentando me lembrar de algo que eu não sei.
O que parecem aqueles pequenos lábios?
O pequeno espaço do sussurro,
odor de criança, brincadeiras,
subir no muro,
e encontrar do outro lado
o que sempre encontro em outros.
Mas é diferente quando me aproximo
e toco levemente e sinto o macio
da boca, dos lábios, do hálito,
da minha vontade de, suavemente,
violar você.

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Quando o amor acaba
e a gente olha para os lados
sem nem bem saber o porquê
à procura da mãe, de algo perdido.
E à nossa boca vêm palavras de amor,
à primeira que achamos nos servir,
porque tem algo que achamos que procuramos.
Quando uma relação se acaba
e o desespero toma conta de nós,
e tudo vem à mente como o afogado no alto mar.
Quando tudo se destrói,
e nada se constrói com coerência em nossas mentes,
dá uma vontade louca de não ser nada,
de voltar no tempo,
atrás da existência desfeita pela paixão que embota os sentidos
e vem aquela vontade imensa de sentar no canto e
chorar.

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Ao te ver passar sonhadora,
não mais da sacada de gerânio,
mas da janela de um ônibus,
vejo meu romantismo conviver,
ainda alegre, dentro do cotidiano.
Teu olhar não mais me segue,
andando pelas ruas.
Mas o meu olhar te acompanha
e o teu rosto veloz se afasta,
levando para longe a tua boca nua.
Não nos pronunciamos palavras,
trocamos olhares ou sorrisos.
Eles se perdem no barulho dos carros,
das pessoas que passam e nos empurram.
Não mais a calma dos passadiços.
Não mais a calma de te olhar.
Não mais a calma das tardes cálidas.
Só a preocupação cândida de te encontrar,
nos horários mal feitos de nossas vidas.

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A primeira foi a paixão da minha vida.
A sua ausência me deprimia,
como o corpo sem alma.
Eu não a via e isso me trazia
a sensação de não estar em lugar nenhum.
A dependência em que eu estava
me deixava em total indolência.
A segunda me fazia falta.
Eu sinto saudade como um só que abre a porta,
para encontrar a paz e a tranquilidade.
É a sensação de ter e não poder perder,
mesmo que se queira,
porque estava dentro de mim e não dela.
Eu não tinha medo de perdê-la.
Mas se acontecesse me faria falta.
Como que tirar um pedaço de mim e me deixar vazio,
como algo que não se recompõe mais.
Eu a tinha e isso me bastava.
A primeira persegui como quem persegue o nada
A segunda eu sigo como quem segue o caminho natural.
A primeira eu tenho certeza de que nunca amei.

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Lembra daquela música de 60?
Do crush, do ping-pong, da camisa vermelha?
Da vespa, do mocassim sem meia?
Da calça Lee e do Ban-lon?
O nosso amor corria solto,
entre festinhas e raifais.
Olhares tímidos de namorados
e o teu olhar redondo (a me olhar)
e a tua roupa tubinho.
Dançávamos agarradinhos os Beatles.
E as conversas das esquinas ferviam,
se eles eram melhores ou os Stones.
Já não mais existiam os lampiões.
Só as tardinhas mornas.
Eu te vi pela primeira vez
com as amigas,
disputando alegre
uma rodada difícil de bambolê.

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Amor, o valor que tem,
mais lindo e quanto mais sofrido,
por que quanto mais a ele se entrega,
mais fundo no poço vai-se indo.
Se ao chegarmos um dia a este fundo,
e sobrevivermos à queda e ao tombo,
seguramente nos afogaremos
nas lágrimas do nosso pranto.
Mas amar e não olhar para os lados
é uma postura idiota e imoral.
É andar de antolhos e mais nada.
É viver egoisticamente
olhando para dentro de nós e somente
correr célere para a armadilha que se abre adiante.

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PARA ROMEU E JULIETA
É hora de partir.
A noite já avermelha os vidros da nossa janela,
como a fruta madura que anuncia a hora de cair.
Defronte de nós mais uma jornada.
A hora que não é esperada,
esta hora de ir.
Tua respiração ao meu lado é ofegante
como se já esperasse este instante,
doloroso para você, doloroso para mim.
Encosto minha mão em seu rosto.
Vejo sua fronte agradecer enrugada,
como a menina feliz debruçada,
na varanda com a mão, a contragosto,
acenando docemente para a hora de partir.
Devagarinho tua respiração se acalma,
em seu lugar olhos pequenos aparecem,
procurando com as mãos espalma
o último abraço, o beijo, o regaço,
a despedida triste da hora de partir.

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Senhor! Abençoai nosso amor.
Senhor! Abençoai nossa paixão.
Abençoai a nossa fé, o nosso calor,
como todos os amantes são.
Abençoai as palavras doces,
sussurradas no meio do prazer.
No meio de carícias e vozes
o jeito de os amantes ser.
Onde está a punição?
De se amar e ser amado?
O que vem de Deus ou do coração
O que se formou em Deus não é pecado.

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Fantasias
são maneiras frias de se viver emoções,
gozos, risos nos corações,
erigidas em nome de nada
Fantasias
são orações que não se condensam.
Luzes, cores que não existem.
Símbolos do que se quer
e não se tem
Fantasias
são passaportes para lugares distantes.
São conquistas, medos frustrantes.
São totens que nos fazem chorar,
gritar, se alegrar,
sem nenhuma plateia para mostrar.

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A Colombina olhava para mim,
e eu imaginava que visse,
através de sua máscara apertada,
a moldura da janela,
que emoldurava o meu rosto
Tamborilava seu tambor imaginário,
batendo os dedos na ilusão,
como se fosse emitir um som de alegria
de onde não podia vir qualquer som
Olhava para mim fixa,
sambando no meio da multidão,
no meio de coloridas mulheres,
posando para um sultão.
Olhava, e eu a olhava tentando,
os dois, talvez descobrir de onde viemos.
Ela com certeza se encantava
brincando no seu segredo.
E eu tentando adivinhar como ela era

-0-

Não compre coisas que você não conheça
Você pode se dar mal.
Coisas vãs são más conselheiras.
Iludem e confortam no que você não necessita.
Não abra as portas que não são só suas.
Você pode se dar mal.
Podem aparecer coisas que você não deseja.
Repletas de sustos, armadilhas e surpresas.
Que tornam seus risos perfeitos e sensuais.
Não leia os jornais que falam notícias
Você pode se dar mal.
As notícias trazem mensagens que você não domina.
Cheias de vícios, de linguagens de rua.
Descolorindo as vidas róseas que você traz de manhã.
Não compre, não se surpreenda, não se informe.
Você pode se dar mal.
Apegue-se aos paraísos que se vendem aos montes,
nas esquinas, pregados por pastores briguentos.
Que berram a torto e a direito,
te acusando de coisas que você não tem a menor ideia.
Sempre dizendo que você vai se dar mal.
Não pare no sinal fechado.
Você pode se dar mal.
Pode ser surpreendido,
por ter comprado o bem errado,
aberto a porta do futuro prazeroso,
e encontrar um pequeno braço fino e perigoso,
a te empurrar um trinta e oito
empunhado por um sobrinho que você nunca viu.
E virar notícia de jornal.
E te levar finalmente para um daqueles paraísos.
E, finalmente, se dar bem…!!! Mal.

-0-

APOCALÍPTICO
E as mães procurarão os filhos
e não os encontrarão.
Porque não foram elas a sentar
nas mesas de negociação?
Os pais envolverão os filhos
na tentativa vã de protegê-los.
Porque não foram homens o suficiente
para negar?
As armas, os aviões e as bombas
gemem sobre suas cabeças.
Do meio do céu, das nuvens de fumaça,
no embate surdo dos combates,
um Deus, com Sua obra horrorizado,
comparecerá ao encontro combinado?

-0-

Ah! Deus!
Desça desse céu.
Desça desse altar.
Desça desse trono.
Saia detrás dessa mesa.
Desça dessa cadeira.
Fique aqui no chão.
Conversa comigo.
Deixa-me ver seus olhos negros,
de cor mulata, de face branca,
de aura verde,
de semblante amarelo.
Ponha em mim os seus olhos úmidos.
Sua mão macia e protetora.
Cuida de mim.
Acredite em mim, como eu em você.

-0-

Mas sempre existirá um plano,
que sempre plano visto atrás de outro plano
se apresentará ondulações que você vai se agarrar
como os seios da mãe
Ou serão rachaduras por onde vão se esvair sua esperança?
Não importa!
Um plano vem achar no aborto a tua vontade de construir.
De construir os castelos que os outros vão morar.
As escolas que os outros vão aprender a fazer os outros planos salvadores.
Talvez teu próprio filho venha a ser um idealizador de planos.
Salvador dele mesmo e dos outros planos.

-0-

Passemos ao micro
Não mais linhas retas e paralelas
como filhos de um trem que não virá
Coluna à direita 
 à esquerda
 up
 down
Mais gostoso de brincar
Apaga
e
acende
Cursor ou aviso de incêndio?
Enter dados,
foto, alguma doença?
Não! Acesso ininterrupto para home
Cansei! Quer dizer labels
Status quo!
Não! Modo
Help me
No! Only Help
Come on
Imprim
Inglês?
Não! Acabou o campo
Eu queria imprimir
Não gaste palavras!
Mas se há tanto espaço porque economizar?
Copy
Já fiz
Mas formatou não gravou

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Ouviram o teu grito desesperado
ecoar pelas margens plácidas.
Seu heroísmo sem batuques.
O sol que tu viste não tinha raios
e o teu céu não parou um instante para te ouvir.
Se o prêmio que tu levas,
e que jaz empenhado,
se iguala em frustração,
nenhum braço veio te amparar ao fim do túnel
que emergias.
Não houve seio para te alimentares
e te dar a liberdade.
E não sobrou morte para desafiares.
O espaço e o gigantismo de tua frustração,
não teve meios de escapar sem indignação.
Terra que adorarias, se fosse tua.
Povo que não foi, que poderia ter sido.
E teus filhos e os filhos de teus filhos
serão eternamente abortados em seus sonhos.
Em sua eterna gentileza servil.
Entregue sem pai nem mãe jogado neste solo.

-0-

Este ser que se forma em teu corpo,
abortarás, abortareis, abortarão,
teus sonhos, meus sonhos, todos os sonhos.
E mais sonhos que se diluirão em fumaça.
O ser cego que vem à tona,
como o êmbolo que escapa da boca da garrafa,
engraxada pelo teu sabor de amargo.
Como um ser que fantasmagoricamente
assombra e te encara frente a frente,
e te assusta e te amedronta
e te coloca em rés do chão,
humilhando e te mostrando a própria podridão.

-0-

O trabalho não te dignifica.
Ele te coloca apenas no teu lugar,
de servir ao teu senhor.
Seja ele grande, pequeno ou apenas voraz.
Com teu trabalho alimentas pequenos monstrinhos.
Que se apegam e bebem do teu suor lamacento.
E se riem e se enroscam.
E vibram com a tua dedicação.
Um dia chegas a tua riqueza.
Mas eles estão mais ricos.
E são filhos daqueles filhos,
que teus filhos e seus filhos
se encarregarão de alimentar.
Tu feneces, eles se engrandecem.
Cultiva os pequenos monstros que te rondam
Não rompes a cadeia a que estás amarrado.
Pelo contrário, talvez alimentando-os
Podes,
quem sabe,
empanturrando-lhes da própria merda que eles te cobrem.
E cobríeis
friamente
vendo abortados em seu próprio berço
envoltos na lama que tu forneces.

-0-

Mas e a tua esperança!
Onde ela fica?
Já foi ejaculada e formada pelo seu protetor?
Esse sentimento de construção que tu formaste.
E que vinga,
cresce,
pulsa e finalmente
pede passagem para se abrir à luz…
Vê-se envolto na escuridão.
A agulha que vem fina e decidida,
em direção deste invólucro que fornece o ar,
caminhando prateadamente dentro do túnel.
Que virão salvar do naufrágio os futuros.
Que virão salvar do naufrágio as riquezas.
Que virão salvar do naufrágio os ricos da pobreza.
Que virão salvar do naufrágio as mentes férteis.
Que virão salvar do naufrágio para a posteridade.
Calma… Você ainda tem tempo!
É preciso salvar a esperança nacional.
As corrosões pró-desenvolvimentos nacionais.
As almas filantrópicas nacionais.
Puxa! Quanta coisa para salvar!
Calma… Você tem tempo!
Os conceitos ideológicos nacionais.
Os pré-conceitos nacionais.
E você?
Bem você, você, você.
Onde deveria estar mesmo?
Bem não há lugar.
Aplauda então a salvação do aborto nacional.

-0-

Feto aberto,
vida fechada.
Luz que não vê vida.
Vida que não vê luz.
Saída para muitos males.
Solução para muitos bens.
Engodo para muitos.
Alívio para poucos.
Aborto,
feto inesperado,
que vive pronto,
E só morto tem.

-0-

Vida não é luto.
Morte, sim, é luto.
Luz não é sombra.
Escuro, sim, é sombra.
Vencer não é cair.
Queda, sim, é cair.
Sorriso não é solidão.
Silêncio, sim, é solidão.
Amar não é sofrer.
Odiar, sim, é sofrer.
Chorar não é tristeza.
Esquecer, sim, é tristeza.
Recordar não é viver.
Viver, sim, é que é viver.

-0-

Quem é você?
Minha rosa sem perfume.
Minha flor sem cor,
de beleza enorme e vazia,
como a boca que balbucia
coisas sem nexo ou valor.
Que me chama pelo nome
e para…
Como se não soubesse o que dizer
ou continuar…
Não porque não saiba ou se envergonha,
mas que não tem palavras pra procurar.
Como alguém que tateia no escuro,
nos mais perdidos recônditos do cérebro
como corredores vazios e sem fim.
Como prateleiras vazias e sem uso…
Quem é você?…
Que me olha e não vê.
Como se lesse através de mim,
mas que não vê em mim mais do que uma
imagem…
Quem é você?!…
Que me olha e não conversa comigo.
Como um pássaro desprotegido,
à espera de alguém ou… o que é você?!…
De onde você vem?…
Para eu cumprir uma missão,
uma provação,
um sofrimento…
De que é feito você?
Coisa maravilhosa que me envolve de carinho
alheio a tudo que eu peço
a tudo que eu rezo.

-0-

Quando olhamos em volta,
à procura de alguma coisa bela,
na verdade, procuramos linhas e formas,
perfeitamente,
esteticamente
colocadas.
Não enxergamos propriamente
o que a figura que encontramos
exala,
transparece,
fornece aos nossos olhos,
nada mais do que linhas e curvas,
finamente
encadeadas.
Olhamos o contorno e não
a essência.
Olhamos o modelo que nos dão a toda hora,
a todo instante,
como propagandas na televisão.
Buscamos modelos que não são nossos,
mas que são de outros seres
reflexos
Vemos com olhos que não são nossos,
porque quando olhamos os nossos contornos,
e quando não são os modelos que olhamos,
percebemos claramente, e sabemos

que os olhos que olhamos não são os olhos com que nos veem.

-0-

Antes de tudo não se entrega,
como a prosa à estética pelo in-verso,
aos signos das regras de escritório,
aos humores e padrões do chefe.
Porque se brincar muito com a prosa
estarás fazendo poesia e farás versos.
Manda uma carta ao chefe
em forma de
versos.
Ele vai olhar incrédulo
como se olha um mapa astral.
Tem sentimento mas não se comunica,
e de mais a mais não tem rima rica.
Mas se a inexistência de rima foi observada
a comunicação, por certo, foi formada.
Vai daí por que não deixar
a comunicação se fazer mais notada.
Nada de vírgulas!
Troca de verso!
Nada de parágrafos.
Linha direta!
Permitida só a exclamação!
Perguntas?
Só como indignação.

-0-

Não ouça as estrelas,
elas não dizem palavras.
Elas dizem sons que se formam em palavras.
Elas não falam, as estrelas.
Elas transmitem emoções,
que se traduzem em palavras.
Um viva à linguagem!
Não, às estrelas.
Que sem a linguagem para traduzi-las
não existiriam.
Seriam só estrelas
mortas, pulsantes.
Por que pulsantes por que se descobriu a linguagem.
Por que descobriram o pulsante lhe deram vida.
E a vida é o ato pulsante que a linguagem traduz.
Mortas seriam,
se mortas para a linguagem (não fria),
não significassem também a existência em outra vida.

-0-

O poema mais que a prosa
se presta sem vírgulas ou pontos
a amparar a língua, não como muleta,
mas como um divã de descanso
O poema não é rígido,
não tem sinais de mudanças.
Não muda de linha porque se quer
porque termina o papel
cuja rigidez não obedece

-0-

A linguagem não faz parte do aborto.
O aborto faz parte da linguagem.
Quem criou o aborto?
O médico ou o literato?
Para falar sem aborto
o aborto não faz parte.
Mas a parte que faz o aborto
faz sua parte na linguagem
E por ter aborto em suas partes,
a linguagem aborta seu pensamento.
É preciso dizer tudo bem rápido.
Resumidamente,
em um só momento.

-0-

Aborte a linguagem dos sonhos.
Os sonhos são inabortáveis?
A inabortabilidade do aborto
é a lei que a linguagem sabe.
Impeçamos a presença da abortabilidade.
E o impensamento vago da linguagem.
Sem medo ou vergonha do que se quer escrever.
É preciso só falar, escrever e ter coragem.

-0-

Como um bolero,
a linguagem vai e vem.
Vão como um bolero.
Vão tão longe e voltam tão
perto.
Como um bolero,
a linguagem se aperta.
Se
es
ti
ca
para
depois evoluir.
Roda e dança.
Como um bolero,
uma contradança.
Contra-ataca e depois muda,
troca troca
de
par par
Como um par
que não combina,
em duas formas diferentes se comunica.
Mas como o som da música e os offs se encontram.
Um para lá,
um para cá.

-0-

Abandonemos as formas convencionais.
Abortemos os conceitos tradicionais.
Façamos da poesia algo realmente livre,
uma prosa em verso,
um verso cheio de prosa.
Utilizemos como uma bandeira –
poesia.
Sua forma e seu conteúdo
surgirão como uma opção.
Poesia: um ato de indignação

-0-

Apelando para a gramática uterina,
nas formas de linguagens intestinas,
que a força do verso muda e rola
e o poema molda e forma.
Que os versos eneassílabos engrandecem
porque estendem, esticam e criam
novas formas de linguagens interinas,
que se transformam, mudam e morrem.
Que é o teu caminho de salvação.
Tão viva e tão repugnante!
Tão pequena e ínfima diante do túnel da tua liberdade!
E tão feroz, brilhando, aborta e suprime,
ainda que defenda a tua esperança,
e interrompa o fluxo de vida
que poderia te salvar.
Retirar ou não retirar
essa esperança já morta.
Expulsa ou deixa
que apodreça e leva contigo o próprio corpo,
e o teu corpo que a protege infantilmente.

-0-

Linda, não é difícil imaginar-te.
Última flor
Ah! se eu te dominasse!
Se eu te dominasse
não te prenderia em sintaxes.
Te analisaria como um esteticista.
Não te cortaria como um anatomista,
por mais te ter eu te queria.
Eu por certo te conservaria criança,
talvez para te agradar, outras nuanças,
outros conceitos, que viriam a te enriquecer.
E eu pararia e brincaria de namorar-te
É na linguagem que se extravasa a emoção.
É na linguagem que encontramos o motivo.
É na linguagem que encontramos alívio
como um xadrez,
uma saída em xeque-mate.
Uma arrumação de peças que se constrói,
por elas mesmas, esta arte de brincar com palavras.
Como é gostoso trazer-te em todas as posições,
de possuir-te como se possui a mulher amada.
De quatro (os números também são linguagens).
De cima, de baixo (decoração também é linguagem).
De lamber-te, de beijar-te (sexo também é linguagem).
De gerar filhos de teus filhos, ilimitadamente
sem censura,
porque com censura não existe arte.

-0-

Li o seu caderno
Vi os seus planos
Cada linha passada
risquei seus enganos.
Arrisquei, minha amada,
amanhecer no seu quarto,
a penumbra me esconde
velo o teu sono
com a postura dos anjos
A primeira raiada
te faz acordada
A luz aparece
e desfaz meus arranjos
Tua voz feminina
O teu jeito de menina
Sombra de mulher
O amor me alucina
De gostar demais de você
Querer o que você quer
Mas o meu coração é só meu
Rio do meu pobre coração
E faço-lhe as vontades
Sem nunca dizer não
Esse peito vazio
Se pudesse ser preenchido
Não seria, estou certo

-0-

De vontade e ousadia
Tenho tanto por ela
Sonhado acordado
Ela me tem tanta coisa
E o tudo reduz a nada.
Rouba de mim o que não posso dar
Roubado que sou de não poder te tocar
Roubado que chora
Sendo o próprio ladrão
Roubar de si mesmo o próprio coração

-0-

Praia deserta,
sol morno, amarelo.
Terra nublada, teu beijo na testa.
O sussurro da vida acorda seu príncipe,
assim não tão belo com imaginação adormecida.
Sonhando com a areia que encobre e estremece,
ao longo do corpo o suave deitar.
Continuo o sonho da noite bem-vinda
sob seus longos cabelos de sereia do mar.
O vento que voa sobre as ondas
parece teu colo, teu caminhar,
tão leve e tão solto…
Ah! Esse mar revolto.
Lembra na tua boca um leve sorrir
de satisfeita saudade,
de feliz cumplicidade.
Que bom, meu amor, você existir.

-0-

Não seja inocente.
Deixe pra trás.
Tem gente que mente
que eu não te amo mais.
Você se entristece.
Meu coração amolece.
Seu rosto me passa
inocência demais.
Vê se entende
o que eu quero dizer.
São frases que envenenam
e sufocam nosso prazer.
Vamos curtir
nosso amor sem igual.
Amar e sorrir
vencem qualquer mal.

-0-

Flores sobre o chão.
Ouça esta canção.
Abraços que se unem.
Perfumes que se abrem.
Uma frustração
de desejos, uma sucessão.
É uma frustração
de coisas que se ganha
com a solidão.
Flores sobre o chão.
Dor no coração.
Túmulos que se fecham
perdidos na multidão.
Flores sobre o chão.
Amor no coração.
Humildes os amantes,
felizes e sozinhos,
que se entregam à paixão.

-0-

OS TRILHOS DO TEMPO
O tempo promove seu ataque,
anunciando a trilha do futuro.
O passado para trás que se deixa
é o presente nos trilhos passeando.
Bem-vinda é a estação que passa.
Tristeza é o trilho embaixo.
A cabeça das pessoas em frente
como um filme que avança e vibra.
Onde está a chave do tempo?
Onde está a porta que se abre?
O tempo não é a parede que inibe,
mas é o anúncio para que não pare.
A vida se mede com o tempo.
Os projetos se medem pela espera.
A espera é a vida que passa.
Os projetos são o tempo que demora.
Onde está a chave do tempo?
Onde está a porta que se abre?
O tempo é a sala ampla e iluminada,
mas é o sinal da calma que escolhe.
Quem pega o último vagão
do tempo que passa bem rápido?
Se eu pegar… que bom, e agora!
Se eu não pegar… o que eu faço, e agora!

-0-

Fazer poesia.
Cheias de inspiração e de originais linguagens,
parecendo coisa de berço,
coisas de poeta inventivo,
trabalhando o tosco, o belo e o selvagem.
Não existe nada mais decepcionante
do que se tentar fazer poesia
misturando números e
algumas vezes agressões bárbaras
como se os versos fossem
pinicos para os oportunistas
e não, piscina para os artistas.

-0-

O que procuras, poeta?
A fantasia, decerto.
Olhas em volta e
em torno de ti só existe deserto.
A fantasia que tu procuras vive
e por isso tu podes achá-la.
Ela vive em terreno árido?
Com certeza aos teus olhos
será fácil vê-la.
E para nós, admirá-la.

-0-

Sou uma criança.
Faço travessuras.
Ultrapasso a janela do quarto
Transtorno a paciência da mãe.
Vou escondido
atravessando o jardim
até o muro.
Te chamo.
Cochicho na tua orelha,
aqueço tua fria bochecha
com as minhas mãos.
O coração acelerado
roubando as mangas maduras
do vizinho mal-humorado.
Corro do cachorro brabo,
que me cheira amistoso,
balançando o rabo.
Gosto de ser criança.
Mesmo que hoje me veja
de terno e gravata.
Teimo em chutar,
para perto da calçada,
do refrigerante esquecido,
a chapinha amassada.
No asfalto derretido,
teimosa, agarrada,
me mostrando, enferrujada,
que o tempo é passado.

-0-

Minha paixão está perdida no tempo
Pontual retorna ao pensamento
Amante ideal sem contratempo
Disponível e contente
Surpreendida nos sutis sorrisos
Felicidade efêmera
Momentos felizes
que jamais acontecerão
Lembranças são mortais
Ocupam lugar
Evoluem sem jamais parar
limitadas e brutais

-0-

Somos os dois lados da parede
abrindo a porta da imaginação
Indo e voltando velozmente
Como se a linha do tempo
a linha firme pendente
estivesse prestes
a desabar na realidade
colorida de coisas tristes
A imaginação vai embora
Os cheiros pensados
Os carinhos marcados
Pés fora do chão
E a poesia se evapora
Nos abraços apertados
Nos olhos fechados
No encontro de mãos

-0-

SEMÂNTICA CULTURAL
Faixas brancas.
Vermelho.
Carro, bebida,
cheiro, um i profundo.
Gritos, confusão,
sirenes, éter, desespero.
Outras sirenes.
Polícia, papelório, destempero.
Testemunhas, martelo batido.
Silêncio
Ordens, palavrório,
porque sim, porque não,
desígnios jurados.
Grades, suor, sujeira, sofrimento.
Sol disforme
da aurora ao poente.
Arrependimento?

-0-

MEMÓRIAS DE UM MACHO SEM BANDEIRA
Sairei como entrei no mundo.
Silenciosamente,
assistido por um ou dois espectadores
e o mesmo tipo de profissional que assina
o meu visto de entrada e de saída.
Encontrará a Inominável,
a casa desarrumada e dirá que eu sou um porco,
o disco de rock tocando a mil e ela dirá que seu ouvido não é penico,
a tampa do vaso levantada, que fazer? eu não participei do enunciado da lei
e o jornal de domingo espalhado, e lido, todo lido.
E ela balançará a foice e a cabeça em desalento.
Afinal ela também é feminina e todas, no final das contas, são iguais.

-0-

Quem não tem fantasia
Não esvazia a alma.
Não posa de herói.
Não liberta mocinhas desamparadas.
Não exibe dotes sexuais insuperáveis.
Quem não tem fantasia
Fantasia a perfeição do mundo real.
Fantasia brigas perdidas no mundo real.
Fantasia a discriminação das mocinhas no mundo real.
Fantasia bobagens vivas no mundo real.
Quem não fantasia
Não se prepara para receber o mundo.
Não pode se exercitar para ser herói de ninguém.
Não entende como libertar o amor de alguém.
Não estende além do máximo a realidade de ninguém.
Não se prepara para dizer – eu te amo,
e ser acreditado por alguém.

-0-

Marcados são os homens para morrer
Marcados são os homens para amar
Marcados são os homens ao acolher
O amor marcado em seu olhar
Marcados são os amantes que se veem
Marcados são os amantes que se tocam
Marcados são os amantes que não temem
O final da paixão que derramam
Para que as marcas do amor e do tempo
Que aprofundam o caminhar dos amantes
não caminhem na vida como passatempo
é preciso marcar no caminho
das árvores dos caminhantes
cada passo que se dá, em cada carinho,
a lembrança de tudo que se passou antes.

-0-

Desejos são vontades
Palavras, necessidades
Ânsia de querer de afinidades
Como os sonhos

-0-

CRONÔMETRO
Tempo:
Caminhando pelas calçadas
No cadenciar dos meus passos
O tic-tac do tempo avança
Na batida do coração em pedaços
As calçadas avançam
Na batida dos meus passos cadentes
Os pedaços do tempo caminham
No tic-tac do meu coração andante
O tempo bate caminhando
No coração do passante
Pedaços de calçada a cada tic-tac
Passos meus avançando
Na batida do coração em pedaços
O tic-tac do tempo avança
No cadenciar dos meus passos
Caminhando pelas calçadas
:Tempo.

-0-

Não
Não fuja ainda
Não saia de cima de mim
Não me deixe
Não.
Não te importe que estejas molhada
Não te importes te incomodes
Não deixe, não negues
Não coloques
Não
Deixe-me falar dos teus segredos
Deixe-me falar no teu ouvido
Deixe-me sussurrar
Deixe-me dizer
Deixe-me
Dê-me

-0-

Ouça-me um instante
Não são palavras de amantes
São palavras diferentes
De coisas ausentes
Na hora mágica do amor
Não quero somente o corpo
Mas a alma que te anima
Quero te oferecer mais do que isso
Quero te oferecer a mão amiga
Quero ser teu
Mas nas horas difíceis
Nos momentos mais inconcebíveis
Quero teu choro e ser teu consolo
Dê-me os teus segredos
E eu os guardarei para sempre
É um amor diferente que eu proponho
Além do abraço, do beijo, do gozo

-0-

Neste Natal se dê um presente.
Escreva um pequeno texto.
Talvez não mais do que uma linha.
Encontre qualquer pretexto.
Qualquer coisa; uma historinha.
Guarde-o em qualquer canto.
Enrolado como um pergaminho.
Encoberto com um manto.
Abraçado com carinho.
Depois de um tempo o releia.
E ele como se solto de uma cadeia
vai ganhar o mundo.
E de uma forma simplória,
contará com toda a força
uma parte da sua história.

-0-

Não procuro sonhos, onde não os há
Sigo a viagem do barqueiro sem mestre
Persigo ao longo da paisagem a falta que me faz
Porque se de inspiração carece
Mais cedo ou tarde minha canção se fará
Não tenho motivos para querer tanto
A imaginação se transformar em canto
Canto e cada pássaro colorido estará
Quieto e envergonhado
Esperando de mim o som que jamais virá
Rolo e sobre as nuvens que imagino estar
Desafio a gravidade do significado
Que cada palavra descoberta tenta
tirá-la da inércia e do abandono.
Que o mistério que a encobre é o estado
do descobridor dos sonhos perdidos e cego
sem uma musa inquieta a inspirar.

-0-

O mundo sempre soube que eu não queria existir
Teimosamente arrastou-me pelo túnel do tempo
Trouxe-me a luz inóspita, branca e ilúcida
De um entendimento que eu não queria ao partir
De uma luz mais densa e brilhante
De um assento mais feliz, que calidamente
Aquecia minha alma agradecida
Estou aqui, agora
Esperando o nada diante de mim
Sofrendo com o futuro inquietante
Vivendo a sorte a cada instante
A surpresa vigiada do meu querubim
Sonho com a volta triunfante
De retorno ao meu assento ainda distante
E poder enfim, realizado o desejo de meu amo
O Senhor do mundo e do destino
O Seu olhar bondoso e aconchegante
Sabendo do meu sincero desatino
A deixar-me só com meu coração
A perguntar o motivo dessa ida ao mundo
E vivendo suas agruras e perdas
Conhecer de perto o vigor da humana emoção.

-0-

ANJO
Levanta meu anjo drogado,
assuma o teu lugar.
Suspenso em asas, ao meu lado,
pronto a me guardar.
Seus olhos velam, embriagados,
meu berço de jornais velhos,
e nas calçadas albergado,
distorce-me os evangelhos.
Que mal eu te fiz, meu anjo?
Desgraçado pela minha companhia.
Causei-te esse desarranjo
Já não me tens serventia.
Como podes proteger a mim,
se, tu mesmo, caístes em desgraça?
Nem cheiras mais a alecrim.
Do teu hálito vem a cachaça,
que os olhos embaça.
Quero de ti a última parceria.
Acompanhar-me neste frio inverno
a morada que a vida nos agracia –
a ida sem volta até o inferno.
Não ouço nenhum som na sua boca nua.
Como pude imaginar, mesmo que fosse por um dia?
Que eu poderia transferir a agonia
de ver-te, como eu, um anjo de rua.

-0-

AMOR
O momento é chegado
Os degraus da escada escalando
Meu louco amor sobe embriagado
E meus sentidos obedecem ao comando
O anúncio se faz em xingamentos
O medo se instala, o nojo é sincero
O cérebro embrutece os pensamentos
Os olhos desabrocham o desespero
Meu pátrio amante com furor bate
Aberta a porta, se equilibra no vão
Estende o braço, pronto para o combate
que teremos. Invasão.
Seu abraço de suor, bebida
Seu hálito vem e me castiga
Pequena, frágil, não vejo a saída
e ouço novamente a mesma cantiga
A hora do amor pecaminoso se aproxima
Da invasão, do estupro, da dor, da culpa
Da amante a resgatar a autoestima
E não ser a filha amada e querida.

-0-

Os mamilos já sobressaem no vestido
Rasgado e despedaçado de forma brutal
Aguçando mais e mais o desejo incontido
No calor da bebida do ser tão boçal
Ao abraço despudorado, a mão resvala
como a serpente pérfida, vingativa
A lâmina afiada, escondida,
vai e volta, vibrante, consecutiva
a rasgar do peito que encerra
a paixão paterna, tão depressiva,
tão angustiante, no choro, no fétido odor
de perceber que o sangue que se espalha
é preto, é negro, sem nenhum pingo de amor.

-0-

INOCENTE
Angelical figura na noite escondida
Dócil, inocente, sem a maldade
Jovem, iniciante, prostituída,
ignorante, diante da adversidade.
Os brinquedos que lhe foram negados
Na alegria da infância retirada
Pela troca sórdida por trocados
O débil corpo enfrenta a cruzada
De ser o desejo doente a satisfazer
Na busca do dinheiro difícil, mais fácil
Cedendo o que não sabe querer
Na busca do dinheiro fácil, mais difícil
Angelical figura maquiada
Traz para mim o que te é mais caro
Esboça na tua pequena boca a gargalhada
Zomba de mim, e eu me desmascaro

-0-

A HORA
A brisa do mar de areia
entra pela porta aberta
Carrega o veneno da sereia
e aquece a tua alma inquieta
Teu grito de espanto
Pelo hálito fétido envolvido
Hipnotiza tua mente com o canto
e o horror o torna amortecido
A imagem da corda balançando
Na ponta, o barco pronto a te levar
O barqueiro soturno acenando
Louco, louco a te chamar
Não te negues ao chamado
Avia-te, o tempo voa, é preciso
O manto negro te espera abnegado
Teu destino já é concebido
A corda súbita vazia, leve ao vento,
os pássaros necrosando o firmamento,
o peso do teu corpo espera

-0-

O GIRO DA HUMANIDADE
A serpente que inicia
A serpente que caminha
A serpente que termina
A serpente que inicia
No calcanhar da humanidade o oróbulo que gira morde a cauda da serpente
que faz sangrar o mal da eternidade
por trás da História golpeando sangrando a História mostrada que lida e relida
traz um sopro de vida operando a transformação
que inicia a máquina que toca o mundo
vira e roda com a humanidade
sofrendo a dor de ser humano
– o verdadeiro calcanhar da civilidade.
Tonto, tonto, tonto,
em êxtase,
gira o mundo, roda o mundo
atrás de si mesmo,

-0-

A SOLIDÃO
Em que sombras tu te escondes?
Solidão, solidão
Existe na minha mente
Ou na arma que tenho na mão?
Ser solitário, ser ou não ser
Afastado, acompanhado
Olhando para os lados
Sem saber a direção.
No emaranhado elétrico do cérebro
Curto-circuito de emoções
O estriato ventral me deprime
Olho a arma que tenho nas mãos

-0-

A BUSCA DA CIDADANIA
OMSEMISERBOSOEINIMODANGIDADIVAMU
UM SEMISERBOSOEINIMODANGIDADIVA MO
UMAV MISERBOSOEINIMODANGIDADI ESMO
UMAVID SERBOSOEINIMODANGIDA IMESMO
UMAVIDAD RBOSOEINIMODANGI ESIMESMO
UMAVIDADIG OSOEINIMODAN BRESIMESMO
UMAVIDADIGNA OEINIMOD SOBRESIMESMO
UMAVIDADIGNADO ENIM IOSOBRESIMESMO
UMA VIDA DIGNA E DOMINIO SOBRE SI MESMO

-0-

O DISFARCE DE POETA
O farsante imita
o canto da sereia.
Perdido no mar
se encontra no deserto
Engano e desengano
a fantasia veste o manto
disfarça o pranto
pleno de vazios
Lágrimas de poeira
ciscam
a se perder na visão
Horizontes infindos
Céus de limites
Onde o ser se esconde
e o parecer se expõe

-0-

Um copo de angústia
Veneno da alma
Engula
A dor ventral
ancora o beijo
da fatal chegada
Decúbito dorsal
quimera do destino
da curva em reta
A escuridão esvanece
As sombras perfiladas
A luz reaparece

-0-

Um frêmito de angústia
No copo de prata
Arrasta a alma no laço, amarra
Um pouco de angústia
Na longa espera da amada
Na surpresa anunciada
Um gosto de angústia
Na indesejada espera
Na insurpresa da inominada
Um copo de angústia
Na chávena de prata
O veneno da espera
A longa jornada da vida

-0-

SOMENTE TUA MÃO
É tua mão, somente tua mão,
mais do que o sexo ou mesmo a boca.
É tua mão, que lado a lado,
a primeira parte que meu corpo toca.
É tua mão, somente tua mão,
que traz os fios que o abraço enlaça.
É tua mão, que primeiro encontra
o lugar secreto que teu olhar aponta.
É tua mão, somente tua mão,
o objeto de desejo, a lembrança antiga,
que fez de você a namorada mais querida.

-0-

UM LANCE DE DADOS
Em um pano verde
as esperanças são muitas.
Os poucos acasos
em um lance de dados.
Um pouco a remissão
as cifras são altas.
No fogo das mãos
o impulso deslancha.
Ventos são viagens
de ida e de volta.
A batida da margem
a realidade que toca.
Um voo de dados
esperança esvaída.
O acaso é a espera
de um beco sem saída

-0-

CONTEMPORÂNEO
Os artistas do circo Roskoff
contemplam o belo cenário
em Paris,
diz o Le Fígaro,
anunciando a reforma da Pont Neuf,
a mais antiga de Paris sobre o Rio Sena.
Alguns artistas
de um circo em Paris, chamado Roskoff,
diz El País,
atravessam a La Puente Nueva de El Sena
que entrará em breve em reforma.
Em breve
reformarão,
diz o Pravda,
a ponte mais antiga de Paris sobre o Sena.
Ninguém ouviu falar em Circo Roskoff em Moscou.

-0-

APELO
Surpreenda-me
com as histórias que ouvi
Surpreenda-me
com aquilo que eu já vivi
Surpreenda-me
contando de outra forma
todas as formas que eu vi

Surpreenda-me
com o vazio do ruído
silente, rastejante e envolvente
Surpreenda-me
com o enxerto do silêncio
calmo, perene e constante
Surpreenda-me
com a palavra nova
e descubra quem sou eu.

-0-

VERDADES, MENTIRAS
Verdades são cruas
Mentiras piedosas
Irmãs tão próximas
Inimigas tão antigas
Verdades são nuas
Mentiras cor de rosas
O encoberto e o descoberto
de coisas indecorosas
Verdades libertam
Mentiras nos prendem
No meio os homens
que apenas se defendem
Verdades, mentiras
São o bem, são o mal
Nas ficções são mentiras
que as verdades copiam

-0-

CONEXÃO ESTRANHA
Faca
Punhal
Lança
Vaga-lume
Quem cortou teu sinal? Faca ou punhal?
Quem cortou tua luz? Lança?
Vaga lume
Vaga lume
Quem foi de encontro à luz do sol?
Foi a lança que lançou contra o azul?
Por onde vagas, lume?
Por onde vagas, lume?
Em pedaços, faca, punhal, lança
Que te cortou em mil pedaços
Que luzes esparsas vagam soluçando
Vaga lume
Vaga lume
O punhal corta o espaço
Golpe a golpe em sucessão
Vaga-lume silente, intermitente
Cortando a escuridão

-0-

DESEJO
Desejo para todo sempre ou uma única vez
absolutamente nada.
Nada além de tudo aquilo
que você queira.
Desde que o seu desejo não seja maior
do que a sua capacidade de obter.
Porque a felicidade está exatamente
em entender o limite para alcançar.
Desejo que nos seus Outonos
caiam, como as folhas, algumas coisas suas.
Que caia por terra o seu medo de voar.
Que caia a sua timidez em prol de conquistas,
para que você sempre possa recomeçar.
Desejo que nos seus Invernos
tenha bem frio o seu coração.
E que se sinta seduzida ou seduzido,
para que nele se instale o calor de uma paixão.
Que seu mundo se cerque de gatos e gatas.
Com todos os duplos sentidos.
Desejo que nas suas Primaveras
você se desencante, se decepcione.
Que não creia mais em mitos.
Que tenha religião, não fantasias.
Que você desabroche e acredite
que é só mais um dos seres humanos.
Desejo que nos seus Verões
o sol lhe seja extenuante.
Para você saborear eskibon,
milk shake espumante…
Aproveite para sonhar
e encontre um grande amor
para, pelo menos uma vez, com ele ficar sem roupa no mar.
Que você faça muita ginástica
e exiba uma barriguinha sarada,
coisa de invejar.
Desejo que você guarde muitas boas lembranças
e que elas sempre se repitam.

-0-

O OUTRO
Não sou o outro qualquer
Homem, mulher, ou outro ser
Sou o guardador de carros,
o vendedor de balas,
o doutor, advogado,
o ser Gofhmaniano, Niezstchiniano,
ou simplesmente, vouyeriano.
Viajante no mundo
Como no trem que cada estação que passo
Agrego mais um pedaço
No palimpsesto sem o texto decorado
Que quer ser descoberto
Representando em cada espaço
Sem mostrar o Homem que sou

-0-

A IMAGINAÇÃO
De que planeta você vem? Onde se esconde?
Essa luz que ilumina as nebulosas,
escondida em Órion ou no poço do Visconde.
Envolvida em linguagens ardilosas
De imagem forte e retumbante
que ocupa, sem pesar, as mentes curiosas.
Da ebulição do universo extravagante
evoluindo em incógnitas criptas abissais
como o caminhar de um bêbado elegante
Conserves as esperanças de jamais
traduzir o símbolo asfixiante,
ó vós que atreveis a cruzar os umbrais
Quem sou eu que te levo calmamente
a perpetrar a dor que deveras cura
como se fosse prazer iminente?
Sou como a loba que te empurra
colocando-me entre você e a luz
dando como opção a selva escura.

-0-

UM ALGUÉM
Ninguém chorou na minha chegada
Ninguém se emocionou com a minha partida
Ninguém me viu seguir a longa estrada
Ninguém me sorriu agradecida
Ninguém correu ao meu lado
Ninguém me amparou na ampla queda
Ninguém me viu acidentado
Ninguém me lançou uma moeda
Ninguém me entregou a sua alma
Ninguém me deu a mão que conforta
Ninguém me trouxe a calma
Ninguém correu para me acolher
Ninguém andou de porta em porta
Ninguém me amou como você

-0-

DESENCONTROS
Não falo em teu ouvido
todas as coisas que eu penso
Não quero te assustar
Não ouço todas as suas vozes
porque não consigo suportar
a imensa incapacidade de te entender
Falamos línguas diferentes
Somos duas vozes querendo se encontrar
Somos duas vozes querendo se entender
Se eu me calo junto ao seu ouvido
estou querendo dizer
que o silêncio faz bem para nós dois
Se você fala muitas vozes,
quem sabe, querendo dizer
que eu preciso preencher
o silêncio, a incapacidade, as imoralidades
do nosso jeito de viver

-0-

NOSSAS BRIGAS
O som da porta ainda ecoa
surdo, ecoando na sala vazia
O silêncio finalmente abençoa
o espaço da sua ausência
Meu coração já fala em saudade
Mesmo nas chances dadas e perdidas
Querendo transformar em amenidade
As frustrações, as esperanças feridas
O que deu em errado para nós?
Juntos estávamos tão sós!
E por que essa dúvida persiste?

-0-

Meu rosto febril olha pela janela
A chuva desmanchando o sol
Que eu desenhara para que ela não viesse
Imaginava que os pássaros e as árvores
Choravam, copiosamente, ao não me ver brincar
O meu rosto debruçado na janela
Chora, imensamente triste,
Ao ver você passar pelo portão
O sol desenha sua sombra no chão
E você nem imagina saber
Que acima, na janela, eu choro,
e nem as lágrimas podem apagar você

-0-

DESAFORTUNADO
Deito na sarjeta úmida
de urina, sangue, lágrimas, álcool.
Dentro de papelões, minha torre de vigília
observa o mundo que passa.
Cofiando a barba inexistente,
afago o toco de cigarro
que me foi emprestado,
sem motivo algum,
pelo passante distraído e generoso.
Os cabelos endurecidos pelo tempo,
que a chuva impermeável transita incólume,
adornam minha face suja,
horrenda
e desalinhada.
Sorrio um sorriso manco,
faltante de personagens a pisar no palco.
Canto.
Em cada canto que olho enxergo a dupla solidão
existente nos cantos de álcool.
Os desafinados companheiros
estendem a mão ao transeunte incauto.
Esquecido em seus pensamentos
– o recuo instantâneo.
Ao causar espanto, me amedronto.

-0-

RE APRENDER
Lutei com palavras cegamente
Descrevi,
Somei
E refleti
Enxerguei onde outros viram
Repeti,
Sofismei
E me iludi
Reverti meu pensamento ao meu início
Vivi e novamente aprendi

-0-

TESTAMENTO
Desejaria morrer.
Não um suicídio, uma morte violenta,
o salto de um prédio ou uma ponte.
Desejaria somente apagar uma vela
e seguir por um labirinto de corredores
à procura da minha luz.
Deixaria para trás todos os risos
sobre as coisas que falei, meus sentimentos,
e imaginaria os rostos de bocas fartas de dentes
a me procurar e não encontrar mais nada,
deixando um sinal amarelento nas gengivas.
Levantaria da vida simplesmente
como um estudante que abandona a sala de aula
aborrecido com um professor decadente,
que nada mais faz do que repetir o mesmismo.
Sairia como um ser suficientemente crédulo
de que todos os erros cometidos o foram por pura inépcia,
ou falta de sorte.
Escolha errada.
Hora errada.
Presença errada.
Atribuiria a outros a sorte de ter compreendido a vida.
De ter compreendido que viver é para poucos.
E que os derrotados apenas servem como plateia
para rebater aplausos de sortudos, ou não sei o que lá.
Não sairia da minha vida.
Apenas abandonaria aos outros a grande sorte
de não ter de privar da minha presença.

-0-

UMA CAÇADA
Apenas um lento caminhar
As listras ondulando como o mar
Passo a passo
As largas patas pousando suavemente
O peso imenso flutuando
Farejando a água, a terra e o ar
Ao longe os outros animais se entreolham
Assustados com a escolha
Do pequeno que vê pela primeira vez a campina
larga,
como se pudesse correr indefinidamente,
ao velho cheio de cicatrizes, lembrança de outras lutas,
pensando no final que talvez chegue afinal.
De repente os matos se agitam, pés, corações, poeira no ar.

-0-

Inicio a jornada rumo ao palco
do último botequim aceso na calçada inerte.
Debaixo do braço, um bandolim
amarrotado, abraço
Me desdobro em notas musicais
que se perdem nos ouvidos dispersos
perdidos em outros pensamentos,
em conversas ao pé do ouvido.
Tédio.
Termino a noite infinita, cansado,
perdido na fumaça envolvente, nauseante
a me abandonar sozinho o último bêbado

-0-

SONHOS DE BÊBADO
Um bêbado deitado na calçada
ar
joga um beijo para o
Será amor?
Será piada?
O salto alto se espanta
alturas
Resvala das
e se esparrama
A plateia se assusta e se admira
Que sonhos estranhos emanam
dessa mente louca e vagabunda?

-0-

O louco, no alto do muro do hospício,
debruçado no antebraço,
olha as pessoas que passam,
apressadas para um lugar algum
Ele chama: Por que corres? Vais a algum lugar comum?
Cala-te!, dizem, és um louco!
Então, por que prestas atenção em mim?

-0-

Atenção!
Diante da dor, seja forte.
Por mais que a agulha lancinante te perfure a alma.
Diante do infortúnio, imprima vontade
Por mais que o vento te empurre ao contrário
Diante do poder, permaneças indiferente
Por mais que o dedo acusatório te traga vexame
Diante do nada, siga constante
Por mais que vivas a insegurança e a visão te falte
Diante da morte, te infle a coragem
Por mais que o medo te afronte

-0-

NAMORADOS
A lúgubre urbe nos afronta
por trás dos faróis, das luzes da cidade
O véu da noite se esparrama
guardando os segredos
As sombras engatinham, lentas, olhar de gatos
Entranham nas vielas, becos, favelas
A luz se acende e o caçado se agita
As pequenas sombras o perigo esconde
Indiferentes
Sob a luz do neon dois namorados se beijam

-0-

Nada mais sublime que amar na chuva
Nada mais surreal do que ser plástico
Nada mais prático do que ser real
Nada mais findo do que ser finito
Nada mais ferido do que ser mortal
Nada mais módico do que ser a moda
Nada mais modal do que poder ser
Nada mais que Pedro poder ir ao cinema
Ir ou não ir é apenas estar à vontade,
ou nada mais do que um simples querer

-0-

ALMA GÊMEA
Minha alma gêmea me pariu antes de mim
Amadureceu e não me viu
Casou, teve filhos, enviuvou
Partiu mais uma vez sem mim
Minha alma gêmea voltou depois de mim
Amadureci e eu não a vi
Casei, tive filhos, separei
Sempre a espera dela eu não parti
E ela, sendo alma, eternamente me aguardou

-0-

Uma vez hesitei e quase te namorei
Outras vezes te vi passar acompanhada e surtei
De noite sonhando acordado pensei
Nas inúmeras vezes que te encontrei
Todas tolas e em todas eu tentei
Ser teu amante, namorado, figurante
Dos braços dados, entrelaçados
Dos beijos dados, imaginados
Em cada esquina que eu passei

-0-

Do meu lado o idílio encanto
Não tenho corpo, só o sonho – fato
Minha amante a perfumar a sala
A cortina fechada, o silêncio bruto

-0-

O outro mundo lá fora bate o batidão – insano
Os carros a fumigar o som brutal
O comércio anuncia o vatapá da hora

-0-

O mundo caminha sem pressa
No aqui fora, o tempo para

-0-

A pipa azul singra no azul
Tensa na linha firme
Os papelotes agarrados no rabo
vibram
– pássaros a acariciar o fio d´água
Silente dispara no ar
Tiro de arma, atiradeira a furar o celeste
Bamboleia saliente para lá e para cá
Marca indelével no firmamento
Desenhos impressos, riscos impossíveis
Uma pipa negra nos segue silenciosa
O corte da linha e o meu pássaro voa
descontrolado

-0-

Sob a janela um mar indigente em correnteza
Indiferente ao mendigo na calçada
Indigno participa da caminhada
Eleva a mão pedinte
Cão
Sobre o mar de gente a chuvarada
Coerente semeia o aguaceiro
Desencadeia os raios, ilumina os espaços
azucrina as gentes, a água empoça
Protegido na marquise, o mendigo
troça da multidão

-0-

ESTÁTUA
A grande estátua que se ergue incólume
Há quanto tempo estará ali?
Viu amantes, passantes, indigentes, assaltantes
Olhou indiferente cada uma das gentes
Que passou
Prédios caíram, subiram, revoluções, protestos
Crianças brincando,
Adultos brigando
Buzinas, burburinhos de Carnaval, silêncios de Natal
E a sua cara uniforme, olhando para os seus olhos
Tanta história para contar e ninguém pode ouvir

-0-

Para alguém que me ouça
Procuro uma casa que tenha quartos, sala e banheira
Tenha um lindo jardim na frente e apenas uma roseira
A vista seja deslumbrante com janelas de madeira
O piso frio de cor branca, ao fundo a lareira
Onde eu possa descansar no balanço da cadeira
Uma área externa, isolada
E nos meus momentos de solidão
A sombra generosa de uma amendoeira

-0-

Da janela do meu quarto vejo a rua brilhando ao sol
Meninos jogando a bola de meia pela rua poeirenta
Meninos com headphones nas orelhas
Meninas a dançar os meneios do corpo emergente
Requebram os ossos até o chão
Carros passam vagarosos, cuidadosos
Um batuque explode em um carro som
Os meninos param, a bola vagarosamente se desvia para a calçada
As meninas se requebram mais, sob assobios
Eu me ardo em desejo e febre, preso no meu quarto – solidão

-0-

O vento ecoa pelas árvores
Sussurros de outro mundo a me dizer palavras
Caminhante entre cimentos, estátuas, mendigos, drogados
Refugiados no campo santo
Debaixo de sete palmos, olhos cerrados observam
O lento caminhar dos pés acima, indolentes
à procura de um nome, de uma data,
o sol quente do meio-dia ilumina:
Aqui jazem moradores descontentes.

-0-

A vida se cala diante da morte
O pedestre se cala diante da arma do assaltante
O empregado se cala diante da fúria do chefe
A esposa se cala diante do marido violento
A escuridão se rende diante do sol nascente
A luz se esvai diante do sol poente
O bom-senso se rende diante da teimosia persistente
A prudência se rende diante da ambição latente
A vida resiste no asfalto quente
A virgem resiste ao pedido de joelhos
O carro avança diante do sinal vermelho

-0-

E a vida transpassa o seu limite de morte
A infância nasce da obscuridade
A velhice se abraça com o nada
Olha no espelho as rugas do tempo
E lembra do garoto inocente a girar carrinhos de plástico pela sala
Viver de amor e choro entre duas eternidades
Ato falho entre dois mundos
O olhar se abre para o conhecimento
O olhar se fecha para o desconhecido
Chegamos ao mundo cheio de perguntas
Saímos dele sem respostas

-0-

Não há respostas para tudo
A música não tem mais o mesmo som
É agora difusa e se confunde com o orvalho que se desalinha do céu
As estatuetas postas no jardim começam uma dança vienense
Árvores de arco-íris no jardim
Sorrio e imagino que os galhos a se espalharem pelo ar
Como braços estendidos em uma grande plateia
São violinos a embalar a dança dos duendes
Flutuo e sigo morto pelo ar, navegando um rio imaginário
Os braços pêndulos na cadeira são remos a conduzir um barco distante
A porta da sala bate e o som de chaves jogadas na mesa de vidro
Dois braços me envolvem e consigo vislumbrar um rosto
E uma lágrima que desce vagarosa de um dos olhos
E um som de voz doce chega aos meus ouvidos
E me pergunta soluçando:
“Por que você faz isso comigo? Logo eu que te amo tanto!”

-0-

Sinto o som indefinido
Tem uma sereia no fim do mundo
Que me sopra uma canção fantástica
Tento ouvi-la, mas não consigo
Apenas sinto que ela existe e não a enxergo
Tem uma sereia no fim do mundo
Me acena de longe a sua nudez casta
A cada dia que passa a entendo mais
A cada momento me aproximo mais
Tem uma sereia no fim do mundo
Que agora eu ouço vez mais perto o som angelical
Entre mim e ela o deserto e a sede da viagem
Tem uma sereia no fim do mundo
Prestes a receber meu abraço e não será miragem
Que em breve me dará de beber em seu cálice de cristal

-0-

TRANÇA
Entrelaço os seus cabelos
Belo o que eu te escrevo
por dentro dos meus dedos
nos garranchos furiosos dos meus textos
Sinto a maciez e o frescor
da caneta deslizante e ardilosa
da massa cheirosa dos teus pelos
na procura da tua boca louca e caprichosa

-0-

Um louco chuta o balde
Outro louco o pau da barraca
Do balde cai a água
Com a lona o outro louco se atraca

-0-

O universo se embaralha e
respinga do céu
a estrela cadente
riscando em silêncio
um desejo pra mim

-0-

Desejo ser todos os sujeitos
Sou um sujeito indeterminado
Escrevo ouviram, falaram, brotaram
Sou um sujeito inexistente
Escrevo aconteceu, choveu, anoiteceu
Sou um sujeito oculto
Escrevo estamos, queremos, faltamos
Sou um sujeito composto
Escrevo pretos e brancos, louros e morenos
Sou um sujeito simples
Eu escrevo o que a inspiração manda

-0-

O que inspira essa noite felina?
À noite todos os gatos são bardos
Chamam Raul e engatinham pelos telhados
À noite, somente brilham seus olhos
Quando eles os fecham, são pardos

-0-

Fecho os olhos para a realidade
Agora, Inês é morta.
– Meu Deus, a minha Inês?
Não! Aquela outra.

-0-

A união
das cordas vocais
faz a força
de um grito

-0-

Um grito parado no ar ancorado na dor da perda
Uma boca muda, aberta para o infinito
Do horizonte sem nexo
Um grito parado no ar envergonhado diante de uma dor maior
Um grito parado no ar
Uma espiral suspensa sobre um campo seco, nauseante
Um grito parado no ar de um som mudo que não encontra eco,
Que nunca se ouve
Um grito parado
Um grito

-0-

antes nunca do que tarde
que o mal se instale

-0-

Suporta o mal com coragem
nada como um dia após o outro
a vida em fila indiana
desgraça pouca é bobagem
a vida em um corredor polonês
os últimos serão os primeiros
a vida em marcha à ré
pense duas vezes, antes de agir
a vida em estado de tensão
quem espera sempre alcança
a vida com esperança

-0-

Enlouqueço neste cálculo
a – menos
traio ela
a – mais
atraio ela
sendo ela quem atraio
me traio sempre que atraio ela
por ela sou atraído
com medo de ser traído
corro o risco

-0-

SONETINHO
Os riscos das minhas letras no caderno
Os fios dos teus cabelos no seu rosto
O traço fino dos seus olhos dormindo
O horizonte do meu amor exposto
Escrevo a beleza dos seus traços
Em cada palavra dos meus versos
Tento imaginar todos os seus gestos
Em cada fala, em cada olhar – universos
Por final retrato a sua imagem
Representada nas linhas do meu texto
Ainda longe do ser real, uma miragem
Apesar disso não me contenho
Por que tudo serve de pretexto
Para o louco amor que eu te tenho

-0-

Não recebo poemas em casa vindos de outro mundo
Baixados por um bruxo, de súbito
Eles nascem do grito do galo de Gullar
Do leito derradeiro onde descansa Carolina
No brilho dos olhos de Macabeia
Ou nos enigmas de Leminski.
São assim feitos de outros, começam onde grandes terminam
Como se eles deixassem propositalmente
pequenos pedaços, pequenos restos no cálice,
onde poetas imaturos e pedintes vão beber
Poemas são meninos incautos
Pequenos prisioneiros a fugir e retornar às prisões
Talvez a graça do poema seja essa fuga
Os poemas não existiriam adiante
Se não pudéssemos olhá-los dos ombros que nos mostram
outros horizontes

-0-

anagrama
Ana
na
grama
Ana amarga
na grama
a amargura de amar

-0-

Lá na minha terra tem rede na mangueira
Em Roma não tem não
Lá na minha terra tem som de viola
Em Londres não tem não
Lá na minha terra tem jabuticaba
Em Madrid não tem não
Lá na minha terra tem estrada de barro
Na Suíça não tem não
Lá na minha terra tem cachaça de cana
Em Paris não tem não
Nossa! Como essa gente tão antiga não descobriu coisas assim!

-0-

As águas descem o morro:
É quando ele chora
São vivas as cachoeiras:
É quando arrasta tudo aquilo que subiu
e não era dele
e deixa o medo
As águas descem o morro
como cachoeiras improvisadas nas escadas
jogo de baralho desfeito, rodas de samba,
casas que desmontam
e singram mares nunca dantes
As águas descem o morro
ensanguentam a cidade
As águas lavam o morro
Vem o sol, vem a noite
e um som de cavaquinho sobe no ar

-0-

Cuidado com seus desejos
Cuidado com suas palavras
Desejos podem ser generosos
Palavras não cuidam de nós
Desejos são guardados
Palavras são soltas no vento
O que se guarda é resguardado
Respostas o vento traz

-0-

Para ser sincero, mentimos
Viemos do escuro
e, na claridade, na luz do sol, fabricamos fantasias
Temos pouco tempo para existir e fabricamos mentiras
Fomos educados para o falso
A mentira é universal
a todos
O general que blefa
O jogador que faz a profissão
O amante que finge
O ator em seu palco
Somos uma ilha de mentiras
Cercada por um antro de mentirosos
Onde estamos?
Não sabemos se virtual ou realidade.
É a natureza humana
Máquinas, árvores
Fábrica, repartição
Doenças, promessas
Amor, desejo
De mentiras nos cercamos
A mentira produz o humano
O carro mais lindo
A mulher mais amorosa
O amigo mais fiel
O escritor mais produtivo
e as histórias mais saborosas

-0-

A mentira é uma arte
Arte é fantasia
Somente a poucos iniciados é dado mentir
E a muitos é dada a falsa ideia de entender
Mentir é o melhor remédio para a arte de viver

-0-

Vejo o mar brutal, escuro, gigante
a ondular na minha frente
e me sinto pequeno náufrago na praia perdido.
Penso bem longe, além da linha do horizonte
a existência de alguém que pense em mim.
Me perco a vagar como o barco oscilante
na busca sôfrega do porto seguro da terra distante.
Encontrar no cais pequeno e perdido
os cabelos revoltos no vento
o olhar triste e preocupante
o abraço apertado e saudoso
do alguém que me espera apaixonadamente.

-0-

Pera, uva, maçã, salada mista
Eu escolho maçã, beijo no rosto
Não quero a pera, é só cumprimento
Não quero a uva, é só um abraço
Não quero tudo, só te ter por um momento
Escolho você, minha deusa
E ela recebe a declaração com pleno gosto
Não é pelo pequeno beijo no rosto
É mais pelo chegar, o juntar
O sentir, o respirar ofegante
Ele que tão novo já que ser amante

-0-

A barca sentirá saudades
Do porto, ou mesmo a alma
A falta do corpo
Quando a vida se desfaz?
Tudo é abandono é fugaz
Quando a saudade toma
De assalto os laços que uniram
Corpo e alma, navio e cais
A barca retorna ao seu porto
Com festa a alma é recebida
A alma, no entanto, em seu retorno
Não encontrará seu corpo, mas outra vida

-0-

Cada parte de mim
Tem um pouco daquilo
Que falta no seu corpo
E em complementou eu dou
Se em cada choro que teus olhos
Escorrem, as lágrimas que eu consolo
São os sorrisos que aparecem no rosto
Nossas ligações são os portais
Que se abrem na procura entre nós
E eles se unem enlaçados
Quando dormimos abraçados
Na nossa cama, entre os lençóis

-0-

O mesmo sol que arde
Aqui, ao mesmo tempo
Arde em terras distantes
Sendo aqui a sua morada
As cores são mais brilhantes
Torna a lua enluarada
E brilha a vida dos amantes

-0-

Enfrenta o luar a dura luta
De romper com luz a escuridão
Que teima em reinar sobre a terra
Quando o sol nos deixa em solidão
Mas de todo, não nos deixa sozinhos
É a luz da lua a sua lembrança
Da mesma forma a minha ausência
Da saudade dos meus carinhos
Deixa em você a luz da esperança
E o som dos meus beijos a resistência

-0-

Quando o cálice te chega à boca
Teus lábios calam-se e o teu olhar
Se dirige ao meu rosto, coisa louca,
Na doce aventura de beijar

-0-

A louca segue enfurecida,
Desgrenhada, puxa os cabelos
É noite, a rua adormecida
Não ouve que a louca
Em seu passeio, desfia seus apelos
A um amor que lhe prometera
E num altar a abandonara
Toda a felicidade que nesta vida
Ela nunca conhecera

-0-

Chega a donzela à janela
E olha a estrada sem fim
Seguiu nela o seu amado
Prometendo uma volta ao seu regaço
Passa o tempo e o tempo passa
Em seu rosto as lágrimas secaram
De tanto esperar o seu retorno
Que ela pede emprestada
Ao tempo, as chuvas que molham a estrada,
Que continuem o seu pranto doloroso

-0-

Onde mora o silêncio
Quando nos abandona
E nos deixa o barulho
Que nos atordoa
Recorre ao seu silêncio próprio,
Longe das nossas angústias?
Saturado das nossas penúrias
Que se afoga em outros silêncios
Longe das nossas desventuras
É no silêncio que tu, poeta, usas
Todas as vozes que trazes dentro de ti
É quando conversas com as musas
E finalmente você consegue rir
Ri das suas desditas, ri
De seus amores desfeitos
Que para todos os efeitos
Ninguém consegue entender
Somente ele entende enfim
Que para toda a obra que escreve
É mais um poema que se atreve
A dizer alguma coisa para mim

-0-

Durante o dia é sol é vida
Agitada entre os homens
Que trabalham a dura lida
No eterno leva e traz
É o porto que se agita
O navio na longa espera
A esvaziar o seu ventre
A encher de mercadoria o cais
Quando chega a noite
A freguesia muda
Os marinheiros na busca do prazer
As mulheres paradas nas calçadas
Mais parecem mercadorias preparadas
Para serem prontamente desembrulhadas
Como se outros usos não pudessem ter

-0-

Durante todo esse tempo penso
Em você, que deixei só e desolada
Como se nunca estivesse apaixonado
Sem nenhum adeus, minha doce amada
Passar o tempo e aprender
Que não compensa o viver só
E revivendo tua imagem percebi
Que o amor nunca vira pó
Depois eu voltei, um recomeço
Volto pela mesma estrada
De antes, em meu passo apressado
Te revejo e não mais te reconheço
De todas as coisas a mais errada
É reviver o que já é passado

-0-

A bola rola no campinho
Vai e vem que nem bambu no vento
A cada suspiro um maior alento
O peito vai e vem suspirando
As bolsas de compras no caminho
O drible faz de conta, abalroamento
Xingos, risadas, daquele bando
De moleques, de descalçados
A jogar no imaginário
O gol salvador no último momento

-0-

A água se encaminha para o céu
Elevada nas escadarias
Degrau por degrau vence a subida
Levada dentro das latas d’água
Sobre as cabeças coroadas
Uma rodilha a sustentá-las
As mulheres seguem formigando
Titãs equilibrando o insano
O movimento, a água desce
Ondas generosas marcam corpos
Esculpem as curvas generosas
Para olhos cúpidos, vadios
As sereias de morro, sereias de povo
A encantar, embalar as noites de sono.

-0-

Os barracos acocorados
Em cima do morro arredondado
São árvores nascidas do homem
Como carrapatos agarrados
Destruindo o verde da mata
Construindo um após outro
Parentes que se encontram
Vida que segue
E o morro vai se amontoando

-0-

Festa junina, julina, quermesse
Em torno da fogueira a pouca luz
Encobre os beijos roubados
Nas sombras da lâmpada do poste quebrada
Cantos, recantos, reentrâncias
Descaminhos entre madeiras e barro
Mãos vão encurtando as distâncias
Entre o desejo das descobertas infantes
Dentre todas, a mais desejada
Rosa, que se finge de distante,
A desejar também, por um instante,
Ser mais uma rosa embarrigada.

-0-

Jogos de botão, de gude, pular carniça
Marcações no chão de terra, estádio cheio
Plateia a torcer, … que preguiça!
Dia de domingo a movimentar o recreio
À noite, mocinho e ladrão, pique-bandeira,
Bang-bang de mentira, cabra-cega
Gritos de crianças, xingamentos, baderneira
As mães chamando,… que bodega!
Cochichos de meninas, olhares de admiração
O doce sabor da cobiça e da conquista
Meus desejos, meu coração na mão
Escolhe: pera, uva, maçã, salada mista.

-0-

Sons de batuques no final da noite
Atabaques, tambores a ecoar
Serviço de autofalantes
O rapaz de cinza e short claro
Oferece a musica do Roberto Carlos
Ela não entende o recado
Desprezo, desconhecimento
Viva a conversar com as amigas
A última música do cantor inglês
Samba, mas que nada
A garota é moderna e antenada
O rapaz antiquado e atrasado
Segue sua vida de apaixonado

-0-

A chuva cai forte e a enxurrada
Empurra ladeira abaixo
O que duramente foi construído
Sofás, cadeiras, pedaços de teto
O sol renasce e recolho a areia fina
Que foi peneirada pela chuvarada
Tempo de sol, tempo de reconstrução
Remendos feitos a várias mãos
Carpinteiros, pedreiros amadores
Reconstruindo casas e tetos
Usando madeiras, latas velhas
De todo tipo, de qualquer lugar
A fazer barracos de cores e sabores

-0-

A moradora mais velha do lugar
Faz aniversário para comemorar
Chegam os parentes de lugares distantes
Trazem carros novos, roupas elegantes
Trazem também meninas diferentes
Com perfumes e laços de fita
Vestidos rodados, meias limpas
E nos seus olhares, não tão excitantes
A vontade de rolar, de cobrir o corpo de suor
As mãos crispadas, os oh! de assombros.
De ver os meninos a se engalfinhar na lama
Por uma simples bola de panos

-0-

A pipa volteia no céu solitária
Em breve as companhias chegam
E ela covarde se esconde atrás das árvores
Aguardando a passagem do predador
Enquanto a batalha no céu se anima
Com as mais fortes permanecendo no ar
A pequena pipa solitária
Foge para qualquer lugar
Ledo engano, ao tentar fugir da pilhagem
Seu dono inexperiente e desesperado
Se enrola na própria linha que a sustenta
E a embaralha na folhagem

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Briga de moleques
Sangue que corre na canela ralada
Socos no ar, rabo de arraia
Xingou a mãe quem cospe na linha marcada
Cascudo doído dos mais velhos
Exigindo respeito da molecada
Marmanjo valente a exibir músculos
Ameaçando a bofetada
O menor se esconde sem alarde
Caindo no chão com a pedrada bem dada
Que todo valente morre na mão de um covarde

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Jogo de búrica, bola de gude à vera
Jogo de ronda, coisa a valer
O adulto já se pronuncia
Na disputa o jogo de poder
Quem lidera a cambada
Que se reúne para porrada
Na rua de cima que resolve fazer
Mais uma arruaça
Socos, pauladas, correrias
Gritos, ameaças,
Quem pode bater em retirada
É mantido na briga, ou apanharia.

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Armandinho engravidou Gracinha
Que, menina, nem barriga tinha
Paulinho casou com Fernandinha
Namoro de varanda, engatinha
Betinho engravidou Carminha
Que, coitada, nem namorado queria
Paulinho alugou casa, vizinha
Coisas de casal, que alegria!
Betinho saiu do morro, estorvo
Que notícias nem deixou
Gracinha engravidou de novo
Paulinho foi ao futebol e não voltou
Fernandinha… Fernanda conheceu Luisão

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Rua de paralelepípedos
Colcha de retalhos de granito
Carros parados nas beiradas
São penduricalhos nas calçadas
Rua subida, rua de cima
Casas coloridas, obra-prima
Fios emaranhados, confusos
Sem ter pontas, perdidos, difusos
O burrico do Tico pastando
Gente nova com trouxa chegando
Fazendo dela um grande arraial
Árvores verdes, gambiarras de luz
Só esperando o menino Jesus
Para minha rua lembrar o Natal

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E os degraus vão
Brotando do chão
Tecido de enleio
Ondeia, volteio
Ziguezagueam
Serpenteiam
Caracolando
Enrugando
Degraus que eu ando
Jogados ao léu
Vão me levando
Pertinho do céu

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Lá no fim da rua tem uma casa
Única com uma entrada e uma escada
Um tapete jogado na beirada
Secando no sol
Lá no fim da rua tem uma árvore
Seca, quase morta, com uma pipa agarrada
Seu tronco levemente ondulado
Tem alguém pondo a roupa pendurada
Secando no sol
Lá no fim da rua tem um carro
Parado em frente na calçada
Vermelho que dói, o malandro
Vai ficando no cantinho
Aproveitando a sombra dos dois

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Embaixo a prosperidade
No mar de luz da cidade
Topos de prédios, edifícios
Cubos jogados no chão
Do alto o precipício
Meu corpo tentado a voar
Na mente a curiosidade
De descobrir em cada janela
O tanto de desigualdade
Que existe em cada lugar

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O caminhão segue cambaleante
Pela rua feita de lama e barro
Rosnando seu motor segue adiante
As rodas resvalam, retém o carro
O motorista, com habilidade,
O caminhão deixa, meio de lado,
Em um desafio à gravidade
Como um animal domesticado
Cai a chuva ou o terreno ceda
Ou o vento brincalhão aparece
Em um minuto a ribanceira desce
O animal ferido, moribundo
Sem que nenhuma força interceda
Com as rodas no ar jaz lá no fundo

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Quando chegou pequeno, no meu colo
Era um frágil, pequeno rapazinho
Sempre trêmulo e a tiracolo
Então lhe dei o nome de Pretinho
Depois, foi crescendo forças ganhando
Transformou-se em valente cãozinho
Nas ruelas, becos, perambulando
Nas brincadeiras eu fiquei sozinho
Não tem mais o pelo brilhante e limpo
Possui marcas das brigas e das lutas
Não mais atende ao meu assobio
Às vezes o vejo, pelos imundos.
Ele, hoje, é um cachorro baldio
Líder da matilha de vagabundos

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É dia, debaixo da mangueira
Se reúne o bloco do Lírio
Batucada, riso, brincadeira
Pras vizinhas, um martírio
Bola de gude, pião, búrica
Inocentes ruas de areia
Casas, ilusão, se edifica
Uma bola alguém cabeceia
É noite, uma luz se acende
As figuras turvas se esgueiram
Cartas, um brilho luxuriante
O jogo da ronda se aprende
Coisas nebulosas que se cheiram
Alguém se ergue cambaleante
A inocência queda inoperante

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Quando as distâncias vão se encurtar
E eu vou poder te encontrar?
Quando os caminhos vão se cruzar
E eu vou poder te abraçar?
Todos os pontos do horizonte
Vão chegar a uma linha enfim
Eu vou traçar o sonho
E escrever teu lugar comum
Quero as distâncias e os caminhos
Cheios de encontros censuráveis
Quero os pontos e linhas
Ligados cada um deles
Colados com seu cheiro
Abraçados por inteiro
Por braços ávidos de você.

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DANÇARINOS
Vamos dançar.
Sua mão o meu ombro acariciando.
Vou abraçando docemente sua cintura.
O meu olhar, tua boca, suavemente
o espaço entre nós aproximando.
Imagine o teu vestido branco em movimento,
como a névoa nossos passos envolvendo.
Entre os pares flutuando no salão,
grande tão grande este pensamento.
Imagine uma música qualquer bem suave,
e que seja a nossa música tocando.
O leve roçar dos seus cabelos finos,
lembrando o algodão doce, frágil, desmanchando,
com o sopro dos meus lábios, indo e vindo.
Não! Não olhe o leve afoguear do meu rosto
e eu prometo não verei o seu.
Você vai rir e vamos perder o passo.
E, cuidado! o nosso abraço pode desprender.
Imaginemos o nosso sonho e o nosso barco,
a navegar por entre céus e mares.
Imagine assim o nosso encontro,
mesmo que ainda não tenha chegado.
E que nos vamos encontrar depois
e comemorar com um longo abraço.

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PARA DIZER: EU TE AMO
Nunca ninguém me disse: eu te amo.
Eu te amo como a chuva de verão
que surpreende no meio do lago
que surpreende no meio do gramado
como um sopro no ouvido assustado
como vindo do fundo da alma
de olhos fechados,
voz rouca, sussurrada: eu te amo
Como posso viver sem ele: eu te amo
Como os olhos claros e molhados da criança
como a chuva batendo no telhado
como o susto do assalto
vindo de olhos suplicados
esperando alguma resposta
do ser ausente para quem se fala
apressado que passa ao lado
do momento pela espera de alguém
há tanto tempo, uma chama,
para ouvir a resposta: eu te amo muito também.

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O deserto é uma janela aberta
Livres, as ideias vicejam
E eu tonto me perco a aprisioná-las
Nas palavras que pelejam
Misturam-se nas areias
Que a pena vai revolvendo
Na busca impaciente, tenaz
Da melhor forma de colorir o texto
São jogos de luzes
São lutas na paisagem
Como um ímã se atraem
Juntando corpos, faces, desejos
De encontro a uma realidade
Que somente eu vejo.

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SOMBRA
Encontro a rua deserta
Os muros calmos, altos se contemplam
Lado a lado se ombreiam
Eu caminho e a ruazinha me aperta
Sou o ladrão, a sombra
Me esgueiro nas beiradas
Deslizo nas calçadas
Minha figura assombra
Uma luz avizinho
Alguém pergunta: quem é aquele?
Uma voz pergunta: quem seria ele?
Outra voz responde:
– Um homem a caminhar sozinho.

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Carros, buzinas, gritos, freadas
Os sinais de que a vida se adianta
E eu a me perder sonolento
Não imagino como as coisas se desenrolarão
No final ela, a minha rua, está deserta
Participo da vida a observá-la, os carros vão.
De longe eles chegam, também sou barulhento
Minha pena escarafuncha o texto
Pede passagem
No engarrafamento as ideias se avolumam
E eu não consigo desvencilhar as palavras
Elas tocam, buzinam, me pedem atenção
Eu as olho incrédulo. Elas se arrumam
Eu não tenho ideia de onde as ideias vêm.

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Domingo de nada: conversa na esquina
Domingo seguinte: festa na igreja, quermesse
O olhar de Luciana que me fascina
Por entre barracas e cheiro de algodão doce
Sem que meu esconderijo expusesse
Sigo o caminhar vagaroso da minha deusa
Mas encontro o sorriso de Carminha
E a minha cabeça esquece
Tantas e tantas passam assim
Quero cada uma delas pra mim
De noite, em casa, com carinho
Passo cada minuto sorrindo
Tendo todas elas juntinho
Dormindo perto de mim
Sigo as nuvens dos céus, cintilantes
Brancas, límpidas, varadas de sol
E teus olhos são formas brilhantes
Pupilas enroladas em caracol
Tua forma branca, perfumada

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O SEGREDO DOS PÁSSAROS
Passarinho que abandona o ninho
Vai devagarinho tentando voar
Com pressa de encontrar o caminho
Da vida que começa a mudar
O meu voo começou bem cedo
Ainda antes de saber andar
Sem pressa de encontrar o medo
Que lá fora haveria de estar
Pássaro diga-me o segredo
De voar desde pequenininho
Com coragem para a vida enfrentar
Procurando em cada arvoredo
Mostre-me a paixão de um passarinho
Por aquela que vai se apaixonar

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Escrever é lançar tinta
No papel imaculado
Que fica a sofrer calado
A imposição de quem pinta
Fazer letras é desenhar
O prazer de conhecer
Que o verbo, esse querer,
Alguém consegue decifrar
Escrever é o não dizer
Achar as palavras que fogem
Teimam em redemoinhar
Ao poeta cabe juntar
O quebra-cabeça da imagem
No espaço teima em se desfazer

Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura