Opiniões

O que acontece nesse país?

     Este artigo foi escrito quando do movimento das ruas em protesto contra o aumento das passagens e o governo Dilma estava em seu último ano.

O QUE ACONTECE NESSE PAÍS?

     Uma gramática a ser justificada.
     Poderiam estranhar por que nesse, no lugar de neste. Afinal, estamos neste país e não em outro. Existe um país que saiu às ruas, um país que não saiu e outro que nunca saiu. Estar nas ruas não é vivenciar as ruas. As mesmas ruas onde as pessoas saem para trabalhar, para protestar e para mendigar o pão nosso de cada dia.
     Existe o país onde se critica e o país onde se autocrítica. Qual deles se sobrepõe ao outro? Qual deles foi para as ruas? Havia povo de mais ou povo de menos? Cenário para protestos ou lugar para saques? Afinal, que rebelião é esta?

     NO PAÍS DA CRÍTICA HÁ AUTOCRÍTICA?

     As pessoas que saíram às ruas se autoproclamaram sem partidos. Queriam reivindicar promessas não cumpridas, reivindicar os reclames da democracia. Muitos já falaram que sem partidos não existe democracia (um regime difícil de viver, mas, até agora, o melhor que já inventamos), a mesma democracia que não impede que eu descreva minhas posições e seja atacado por causa delas.
     Especialistas buscam explicações para o que ocorreu, simplesmente por que não podemos antever aquilo que vai acontecer, pois vivemos em um mundo que não conseguimos entender. Você entende o futuro quando acredita em utopias, quando elas deixam de existir e entendemos, conforme Hegel, que o futuro é uma ficção do espírito, passamos a acreditar na mudança do presente, do que vivemos. Passamos a acreditar nas consequências dos nossos atos e atitudes.
     Passamos a viver nas ruas a ambientação do próprio quadro político, onde convivem os bons e os maus e passamos a entender como é difícil conviver com o mal; afinal, o mal existe dentro dos governos, onde os vândalos, os verdadeiros vândalos traem os seus mandatos.
     A crítica de deputados e senadores da oposição reclama o destino de 10% dos recursos da União para a saúde, alegando obviedades no discurso da presidenta, que, também, embutiu em seu discurso uma crítica velada ao Legislativo, quando apela para a destinação dos recursos dos royalties do petróleo para a educação, hoje com a decisão nas mãos do Congresso.
     Mas, isso não lhe lava, totalmente, as mãos. Apelar para um passado histórico elogioso e corajoso, não pode fazer com que lave as mãos para o futuro.
     Nenhum deputado fez a autocrítica de destinar uma parte do Orçamento em causa própria do Congresso para a própria União. Afinal, um deputado deveria ganhar trinta mil reais por mês. E também pagar a própria vestimenta, a própria gasolina, a escola dos filhos, como qualquer um que vá a Brasília atrás do mesmo vencimento. Que viajem duas vezes aos seus territórios de origem, “para ouvir as bases”. Se optam por uma carreira, como um militar, um servidor público, ou executivo, assumam os riscos, e se não estão satisfeitos procurem coisa melhor.

     VOZES PARTIDAS DE OUTROS PARTIDOS

     Mas um país não se faz, tão somente de um povo que vai às ruas, ou um povo que os representa. Existem as outras vozes, que se escondem para poder governar.
     Neste domingo, o colunista de O Globo, Merval Pereira, revela a aflição na sua coluna, como se temesse que os vândalos e manifestantes, não necessariamente nessa ordem, invadissem a sua sala refrigerada, e tomaram todos, bem antes, os devidos cuidados para separar as duas vertentes que foram para a urbe: manifestantes e vândalos.
     Míriam Leitão talvez tenha colocado o dedo no exato ponto onde tudo isso desembocou, quando escreveu: “O movimento é um difuso sentimento de insatisfação diante da incapacidade de o Estado atender às aspirações das pessoas”.
     O ponto é esse: as pessoas foram às ruas pedindo governabilidade. Em todas as esferas executivas (União, Estados e Municípios) sentimos o sequestro do Poder Executivo pelos respectivos Legislativos. A assunção de governantes amparada por forças econômicas que nada têm a ver com aquilo que a população deseja. As pessoas querem governo, querem saber a quem se dirigir, daí o pedido de “sem partido”, querem uma comunicação direta com aqueles que elas entendem que devem ordenar, dar ordens, que mande executar aquilo que foi prometido.
     Os Partidos são as partes de um todo, que devem se oxigenar com a assunção dessas vozes. As mesmas vozes que cobram dos dirigentes atitudes de mudança, que pedem educação de qualidade, saúde de qualidade.
     Mas cada parte de nós deve se perguntar também se os partidos que existem é porque não participamos deles, se queremos uma educação de qualidade porque além de exigir professores de qualidade e bem pagos, não devamos ser também alunos de qualidade, que não usam celulares nas aulas, desrespeitamos os mestres, saímos aos gritos nas salas de aula, e simplesmente não nos comportemos como alunos de qualidade para termos a mesma educação de qualidade?
     A saúde de qualidade depende sim dos profissionais que as assistem, porque um doente está doente, e por si só merece uma atenção de qualidade, e ali está não por vontade própria. E não querem médicos e profissionais prepotentes que os tratam como doentes, mas como pessoas: afinal, estão doentes.

GOVERNANTES E GOVERNADOS, ÀS ARMAS!

     Essa mesma concepção se espalha quando tudo está separado: governantes e governados; professores e alunos, dirigentes do futebol e clubes, polícia e povo. Cada um agindo a seu modo e não fazendo parte de um todo.
     Estamos partidos: Alguns falam deste país outros desse país aí.
     Não se deve esperar a saída fácil para o futuro. Não se deve esperar o salvador da pátria, que seja Lula que construiu sua história nas ruas e a derramou nas negociações dos gabinetes ou mesmo de Joaquim Barbosa que com seus pitis e dores de coluna é um verdadeiro embuste.
     Crítica leva à autocrítica, afinal não existe o pessoal do sindicato, o pessoal do governo, o pessoal da escola, o pessoal da imprensa. Somos nós que fazemos tudo isso. E isso tudo merece uma invasão, e nessa invasão está a ida às ruas, aos gritos e, principalmente, às atitudes: somos aquilo que acontece neste país. Que cada um cumpra a sua parte e vamos às armas!

Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura