Contos

Flores e perfumes

        Abri os olhos, vencendo o emaranhado de plantas que abundavam no jardim, na busca sôfrega e intermitente da luz solar, e a primeira visão que eu tive foi de Maria Alice descendo as escadarias do casarão, com seus cabelos longos oscilando a cada degrau que vencia e um laço cor de rosa, já completamente desarrumado, embaralhado e perdido neles. Ela tinha um sorriso lindo e passou por mim sem dar a devida atenção, entregue aos seus pensamentos, correndo nas pedras irregulares das alamedas.
        O que mais eu esperaria? Simplesmente perdido naquele jardim com as muitas flores e perfumes. O que poderia esperar? Além de fazer simplesmente o meu papel de participar do colorido de flores e no meio do cheiro dos perfumes.
      Com o passar do tempo, aguardei ansioso que alguma coisa pudesse chamar a sua atenção dentre as flores do jardim. E que ela finalmente notasse as cores, quem sabe um perfume diferente, resultado de uma vontade e um trabalho árduo. Mas, a sua passagem era rápida e fugaz e o seu sorriso e seus cabelos se afastavam pelos caminhos estreitos de flores e plantas.
         Ao mesmo tempo em que as flores desabrochavam, descobri depois que aquele galho, aquela raiz, aquelas folhas, bem no início de uma das alamedas, valentemente rompendo a dureza da terra, se espichando para além do espelho de plantas, poderia ser o preferido dela; bastando que seus botões coloridos oscilassem, ao sabor do vento, como uma saudação para ela. Foi um investimento para que pelo menos um dos galhos recebesse o melhor alimento, procurasse pelo ar algum inseto que lhe fecundasse, tivesse a melhor posição contra a luz do sol.
     Um dia, finalmente, um botão apareceu, e Maria Alice se aproximou bem devagar, com aquela beleza lhe chamando a atenção, e o seu sorriso encantador ficou bem próximo. Outras flores começavam a desabrochar, mas aquela seria a sua preferida. E para ela todo cuidado seria pouco. Isso me trouxe uma enorme felicidade. Enfim, Maria Alice e o seu vestido esvoaçante, seus cabelos desarrumados pela descida desenfreada pela escadaria, paravam e se aproximavam vagarosamente, como se quisesse surpreender uma beleza nascendo.
         Por este motivo, eu deveria ter o cuidado extremo de que as cores se desenvolvessem com perfeição e pudesse o perfume agradar-lhe quando se aproximasse, e aspirasse o cheiro como se um último suspiro fosse dado.
        Quando a noite dormia sobre o jardim, e cada flor noturna exalava o seu cheiro peculiar, eu me perdia admirando o quarto iluminado bem acima da escadaria, e o perfil de Maria Alice se desenhava contra a luz, penteando seus cabelos longos na preparação para dormir. Não me importava de ali passar a noite, porque as manhãs sempre traziam Maria Alice descendo alegremente pela escadaria.
        Fiquei apaixonado por Maria Alice. Não sem motivo. De todas as flores daquele jardim era aquela, que eu cuidava com maior desvelo, a sua preocupação maior; e por isso, todo cuidado seria pouco. Por alguns momentos se perdia examinando cada ponto do desenvolvimento e eu me sentia acariciado, mimado, e cada vez maior era a vontade de fazer com que a flor se desenvolvesse melhor, com perfume em cada pétala, que fosse digno de pertencer à atenção de Maria Alice.
        O tempo foi passando e cada vez mais pétalas foram se agregando, e Maria Alice saltitava de contente vendo que o seu mimo era cada vez mais exuberante.
        O sorriso de Maria Alice era cada vez maior e eu era o motivo daquele orgulho.
        O tempo foi passando e a força das pétalas, porém, foi se perdendo. Não vinham mais novos viços, e o perfume já não conseguia competir com as outras flores. Mas aquele era o canteiro preferido de Maria Alice, e, portanto, era ainda o alvo das atenções.
        Quando a primeira pétala se tornou amarelecida, Maria Alice perdeu pela primeira vez o sorriso e os seus lábios se transformaram em um desânimo e uma consternação. Mas ainda era a preferida, a despeito de outras flores no jardim esbanjarem juventude, e eu me iludia, apesar das paradas cada vez menos frequentes dela. Ignorando que o ciclo de vida se expirava, mas, no fundo, tendo a esperança de que o sorriso de Maria Alice fosse eterno.
        O peso da flor finalmente ficou grande para o galho e ela não conseguia mais se sustentar. Uma noite de orvalho, um vento forte bateu pelo jardim e finalmente as pétalas se derramaram pelo chão.
        Na manhã seguinte, Maria Alice, sorridente, desceu as escadarias, e não se importou quando o jardineiro recolhia minhas pétalas pelo chão, amealhando-as em uma pequena pá cor-de-rosa.
        Seu olhar apenas se concentrou em outros botões que se formavam, e eles, agora, eram o motivo de sua atenção.

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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