Convidados

Miragem

        Apresentamos nossa convidada para a coluna, a poetisa e professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Socorro Nunes. Dentro da proposta do site de “Podemos tirar se achar melhor, ou deixar ficar, se achar de bom tamanho”, apresentamos a entrevista abaixo sobre seu livro de poesias “Miragem”.
        Miragem é sobre o nordeste, e os personagens do sertão: o sol, o céu sempre azul, a vegetação, e a secura tanto do ar, carente de chuvas, como a própria secura do povo nordestino de expressar a sua vida dura, com uma dose poética tão deslumbrante como a luz solar que lhe é constante.
        Uma das características interessantes nos seus poemas é o uso dos verbos expressando a luta rude de enfrentar o sertão resistente. Entremeadas, esgalham-se, embaralha, juncadas são as cartas de apresentação daquilo que está por vir. Os poemas apresentam um nordeste que se veste com as chuvas que chegam, cobrindo um desnudo social, não de abandono, mas de preparo, de espera. Não poderia deixar o sol de surgir como personagem, mesmo quando chega a noite (o sol poente derrama sua sombra), que é lembrado pela ausência dele.
        A opressão é lembrada pelo sol que fere, o céu que arquea sobre a terra, o silêncio que desce amortecedoramente, ou claramente quando a figura de algozes aparece.

        Obrigado, professora Socorro Nunes, pela sua entrevista.

1 – Por que poesia?

Socorro: A poesia é uma das linguagens que mais se aproxima da minha necessidade de expressar-me sobre o mundo, sobre os temas da vida que nos tocam. As metáforas e construções poéticas têm a possibilidade de tocar o outro naquilo que é mais profundo, naquilo que nos faz humanos: a nossa sensibilidade.

2 – No seu livro “Miragem”, em especial, você tem uma inspiração baseada em “Os Sertões”. Euclides da Cunha é um intruso no cenário nordestino, lançando um olhar diferente, uma visão de cidadão urbano, um jornalista. Você, como nordestina, onde se encontra com Euclides da Cunha nessa forma de enxergar?

Socorro: Não considero Euclides um intruso, mas um homem que produziu uma obra fundamental para se produzir uma primeira leitura daquilo que até então era desconhecido no Brasil: os sertões. Encontro-me com Euclides na forma poética com que ele trata os sertões.

3 – Euclides enquadra seu texto entre a Terra, o Homem e a Guerra. Faltaram os resquícios da guerra no seu livro, ou a guerra que o nordeste enfrenta, hoje, é outra?

Socorro: O texto de Euclides é poético e também marcado por um conteúdo descritivo, etnográfico a partir do qual ele produz   uma compreensão do que era o sertão, o homem que o habita e a luta contra a opressão. Penso que esses elementos estão também presentes em Miragem, inclusive (mas não só) na organização das sessões do livro. A última parte apresenta poemas que buscam mostrar que “Canudos não se rendeu” apesar das condições desumanas às quais os sertanejos foram submetidos.

4 – Você, Socorro, é uma pós-doutora, especialista em Letramento. Você usou, de alguma forma, seu conhecimento na escolha das palavras?

Socorro: São linguagens diferentes a poética e a acadêmica. Entretanto, a linguagem não existe assim, de forma compartimentada, fragmentada. Certamente a minha experiência de vida (e isso inclui a experiência acadêmica) inevitavelmente compõe esse quadro que apresento em Miragem e em todos os meus poemas.

5 – Seu primeiro poema é um intrincado de imagens, quando usa o “entremeadas”, lembrando a flora, e, ao mesmo tempo, entre meadas para sal, suor e riso. Na estrofe seguinte, novamente, o ”esgalhar”, na visão do encontro da flora contra o céu, e o esgalhar, como rompimento com o destino de ser tão só. Ele, esse poema, representa a sua forma de interpretar o sertão do nordeste?

Socorro: Não considero que um poema possa representar exatamente aquilo que o poeta pensa sobre o tema. O poema expressa apenas uma imagem sobre algo criado pelo poeta num determinado momento, a partir da sua sensibilidade e do trabalho de linguagem. A literatura não é uma representação da realidade e nem mesmo uma cópia fiel do que pensa o poeta enquanto sujeito. A minha interpretação do nordeste é complexa e difícil de ser expressa desta forma.

6 – O sol é personagem importante nas imagens do nordeste. Qual a importância dele como personagem nos seus poemas?

Socorro: A luz do sol, a temperatura e o clima são sim parte da vida nos sertões, mais do que noutros lugares. Euclides captou muito bem no seu livro quão constitutivo é o sol na vida do sertão. Miragem não poderia ignorar esse elemento. Há realmente vários poemas tratando do sol e de como ele afeta a vida do sertanejo.

7 – A presença da chuva é motivo para “vestir” o sertão com a vegetação. O desnudo, a nudez do nordeste tem uma relação com o estado da precariedade social que ele vive? Essa representação nos seus poemas é o imaginário presente no próprio povo nordestino, tanto na literatura, na música? Você buscou isso nos poemas ou você acha essa postura o próprio processo identitário do nordestino?

Socorro: É possível se fazer a leitura que você apresenta, embora, a intenção de Miragem não é apresentar uma imagem precisa do que é o nordeste, das suas múltiplas identidades e das condições sociais às quais o sertanejo está submetido. Porém é inegável que a exclusão social no Brasil afeta mais o norte e o nordeste. Todos os indicadores sociais nestas duas regiões são absolutamente claros em mostrar o processo de exclusão. É inegável que a relação com a chuva tem um outro significado nos sertões.

8 – Canudos não se rendeu. Qual a importância da poesia sobre o nordeste mostrando essa resistência de ser, antes de tudo um forte? Como você procurou demonstrar isso nos seus poemas, ou não?

Socorro: Como eu disse, a literatura, mais especificamente, a linguagem poética, possibilita-nos uma forma de ver o mundo diferenciada, provoca deslocamentos na nossa forma de ver e sentir. E isso independe do fato de eu ser nordestina, ter nascido no Ceará e estar vivendo, nesse momento, em Recife, após 29 anos vivendo em Minas. A poesia que faço não tem geografia definida, pretende ser universal, como toda e qualquer manifestação artística.

9 – “O sertão é uma miragem”. Por que se transforma ou é uma ilusão?

Socorro: O sertão é uma Miragem porque não é estático, porque pode ser visto, vivido e compreendido de várias formas, a partir de muitos pontos de vista. A poesia é uma das formas de expressão que o transforma em Miragem ou Ilusão.

        Convido a todos conhecer este trabalho que pode ser adquirido através de mensagem in box, diretamente no perfil de Socorro Nunes, no Facebook.

Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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